Parállelos – de Flor e de Mulher

CANTO I

UMA FLOR SE DESCOBRINDO

Vivi grande parte de minha vida como um botão, mas sabia que era uma flor.

Toda flor que pensava que era nada tinha a ver comigo.

Vivi quase uma vida toda desabrochando, desabrochando, até me desabrochar na flor que eu sou.

Numa primeira primavera, eu me abri em violeta.

Tímida!

Tentei surpresa olhar o mundo que me descortinava, mas pouco vi dele e, talvez, ele sequer me notou.

O meu cálice era grande demais e me escondia.

Acabei recolhendo minhas pétalas e me encolhendo e me escondendo no botão que eu era.

Em outra primavera, eu me abri em margarida.

Irrequieta!

Balancei, fogosa, minhas pétalas para o mundo, ao sabor do vento. Com minhas dezenas de sementes, como olhos, cataloguei tudo o que vi ao meu redor. Perdi parte de minhas pétalas brincando de bem-me-quer, malmequer.

O meu cálice era estreito demais e me apertava.

Acabei, novamente, dobrando o resto de minhas pétalas e me recolhendo em mim mesma, no âmago do botão que eu era.

Já numa outra primavera, eu me abri numa volumosa hortênsia.

Conquistadora!

Minhas florzinhas se lançaram ao mundo, cada qual independente, querendo ter vida própria, buscando mil formas diferentes de se mostrarem e de se destacarem uma das outras. Algumas conseguiram, outras não. Várias se perderam. Uma até se multiplicou.

O meu cálice era delicado e minha haste fina demais para nos agüentar a todas e não se quebrar.

Acabei fechando minhas centenas de pétalas em dezenas de botões e me recolhi, mais uma vez, no único botão que eu era.

Finalmente, eu me abri numa rosa.

Vencedora!

Olhei o mundo com minhas dúzias de pétalas. Estendi-me para fora; ergui-me; ofereci-me para ser admirada, cuidada e amada. Dar ao mundo os encantos que mantive escondidos por todo tempo em que pensei e tentei ser outras flores, guardando suas qualidades, colhendo experiências e me escondendo num botão indeciso que eu era.

O meu cálice me cabe perfeitamente, minha haste é suficiente para sustentar a minha existência.

Atingi a maturidade plena e satisfeita do meu botão: hoje sou uma flor. Completa. Perfeita.

CANTO II

UMA MULHER SE ENCONTRANDO

Também, como se fosse um botão de alguma flor, minha vida se desenvolveu.

Numa primeira década, quando criança, fui tímida como a violeta.

Surpresa com o mundo enorme, maravilhoso, estranho e hostil a ser por mim desvendado e talhado, eu me abriguei na casa dos meus pais, meu refúgio.

Em outra década, já adolescente, fui irrequieta e fogosa como a margarida.

Tomei do mundo tudo o que ele me permitiu: de vários amores, muitas experiências a mil conhecimentos.

O mundo era a minha casa e meu refúgio, com todos os segredos que ele, ainda, teimava em me esconder.

Mais tarde, em outra década, adulta, fui conquistadora como a hortênsia.

Abri-me num leque com as múltiplas facetas da mulher: lógica e ilógica, intuitiva, dependente e independente, inteligente e loura burra, educadora, trabalhadora e batalhadora, preguiçosa, colega, amiga, inimiga, amante, companheira, mãe, alimento, irmã, filha, cozinheira, arrumadeira, poeta. Enfim, com as centenas de qualidades, de defeitos e de sentimentos, todos mutáveis, adaptáveis, contraditórios e transitórios, que temos para lidar com o mundo.

A família e os amigos eram minha casa e meu refúgio

Finalmente, atingi a maturidade.

Sou vencedora como a rosa.

Tudo o que fui e aprendi foi somado e estruturado para se transformar no ser que hoje sou.

Porém, como a rosa, minha maturidade não é plena: o mundo ainda me oferece conhecimentos, que estou apta a absorver através do meu espírito, crescendo cada dia mais na interminável busca da possível perfeição humana. Incompleta, incansável e insatisfeita na busca do conhecimento espiritual, das minhas raízes divinas.

Hoje, meu corpo é minha casa, o refúgio da minha alma, enquanto eu habitar, nesta dimensão, este planeta.

Angela Togeiro desde Belo Horizonte/MG-Brasil

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