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Mas caminhei tranqüilo – sem temor

E percebi a ponte apodrecida

E começou ranger logo em seguida

E a corda estava cheia de bolor...

 

E Gabriel chegou para falar-me:

“Não temas! Vá em frente! A provação

Só passa os escolhidos pra Sião...

A bélica, a celeuma não é só carne...

 

Pois há os principados, potestades –

Aquele que estiveram lá conosco –

Até que um, com pensamento tosco,

Ficou naquela guerra de vaidades...”

 

Então continuei; houve um momento,

Que eu me distrai e olhei pra trás.

Balbuciou um deles: “Nós jamais

Deixamos escapar um lazarento!...

 

Primeiro seduzimos com mentiras

Palavras doces, vozes maviosas –

Até criamos um cheiro de rosas-,

E oferecemos gemas e safiras...

 

Ah quando conseguimos dar o bote

O regozijo é grande – é tremendo

Sim somos persistentes – está vendo

Fazemos tudo pra que o ser s’esgote...

 

Pois já sabemos mesmo o nosso fim

Pra nós não há redenção – segunda chance...”

Mas Gabriel falou: “Não pare! Avance!

Não ouça a Moloch! Escute a mim!

 

Quer ele que desistas por agora

Avance logo! O tempo se esgota

Precisa andares logo pois a rota

Está se afastando. Vão embora!...”

Saí em disparada, a ponte então

Titubeou comigo de repente

Uma madeira foi-se; um vapor quente

Subiu daquele rio de podridão...

 

Eu tive que pular e outra madeira

Partiu-se que eu fiquei dependurado

Fiquei um tanto zonzo, atormentado

Pensei: “Eu morrer dessa maneira

 

Num rio de animais que nunca vi

Senhor meu Deus perdoe minha falhas

Ajude-me a vencer essas batalhas

N’outro lugar qu’eu morra! Não aqui!

 

Então soprou um vento muito forte –

Um vento como aquele no caminho,

Senti-me enfraquecido, nu, sozinho,

Pensei - então: Chegou a minha morte...

 

Mas uma luz chegou-se junto a mim

Não conseguia ser tanta pureza

E paz também. Depois tive a certeza

Que era  um ser do Trono – um serafim...

 

Atravessei a ponte – era manhã

Mas era meio estranha – era cinzenta –

Era insalubre a luz – que não esquenta –

Produz uma quentura assim malsã...

 

Dá uma sensação de euforia

Mas vem acompanhada de algo estranho

Que nenhum sabonete, álcool, banho,

Limpa o vazio – a melancolia...

 

Eu comecei ouvir um vozerio

Reconheci o hino de Moisés...

Até o arrastar daquele pés

Mas era lá do alto – além do rio...

 

(continua...)



Gonçalves Reis
Enviado por Gonçalves Reis em 28/03/2008
Reeditado em 28/03/2008
Código do texto: T921112
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