Striptease
Despi de mim, peça por peça:
As roupas rotas
que lembravam um passado
sombrio, desencantado e descabido
O coração
para que não atendesse a nenhum apelo
e não pulsasse mais em descompasso
O sexo
para não mais cair em tentação
e não mais morresse de tesão
O amor
que se condenou à paixão
para que não mais me envolvesse em confusão
O sangue
pássaro vermelho jorrando assustado
para que não mais fervesse em desespero
As palavras
antes que escapassem pela boca
no momento indevido, causando estranheza
A pele
com marcas de sua boca sedenta
a fim de que não mais delirasse com seu toque
Os braços
para que não mais envolvessem seu corpo
sentindo o calor de um amor insano, louco
as pernas
para que não se deixassem levar
por caminhos de dor e ilusão
Os cabelos
para que se renovassem como leve nuvem
e não mais se embrenhassem em seu suor
Os olhos
para que não se nublassem à claridade do dia
nem vislumbrassem sua beleza que provoca...
As mãos
para que não mais buscassem seu ser
acarinhando sua pele, dando-lhe prazer
O nariz
para esquecer o aroma de sua sedução
e negar a delícia de seu cheiro de homem
O pensamento
que me feria as madrugadas
para que não mais me lembrasse de seus beijos
Os ouvidos
para que não ouvissem os gemidos de alegria
e se fizessem surdos à palavra que os seduzia
os pés
que, aves feridas, iriam te buscar sempre
mesmo por caminhos tortuosos e inconstantes
Os dedos
que nunca desataram seus nós
para não toquem nas feridas de minh'alma
o meu canto
que entoa a tristeza de estar só
para que não mais se prenda às minhas notas de agonia
e, finalmente
o meu corpo...
para que não se curve, colhendo as agruras do tempo
apenas se renove, despindo-se da casca da amargura
e revestindo-se com a nobreza da alegria...