Procurando... na chuva
Choveu tanto naquele dia
mas eu continuava procurando as palavras
os passarinhos passavam indo pra casa
já tive mais de uma gaiola
quando meu canário fugiu e o outro morreu
porque meu irmão não cuidou
quem devia cuidar era eu,
fiquei puto da vida – naquele dia vivi
Continuava a chover
e eu sem saber o que dizer
mas querendo dizer alguma coisa
que talvez se escondesse atrás de mim
quem sabe se o pano subisse
esse pano todo remendado
sujo, ordinário, desbotado
quem sabe se o levantasse e achasse algo de bom
ou que valesse a pena dizer
A chuva agora é menor, nem tudo ficou alagado
talvez minha filha viesse, sentasse ao meu colo,
risse um pouco de mim, mas depois cresceria
e tempo não mais haveria
nem pra ela nem pra mim
tinha é que pagar, isso sim,
seus estudos, o médico, o vestido
tendo que não gostar de todas as suas idéias
e ela das minhas também
tendo que esperá-la na janela
e ela a me olhar com desdém
ela, que já não era mais novidade
como eu já não era também
talvez fosse o pano sujo, desbotado, remendado
que já conheço tão bem
A chuva continuou chovendo miúdo
E eu a procurar pelo que não achei...
Rio, 24/08/1973