ESPERO QUE A DISTÂNCIA MATE
para a Cissa de Oliveira
José António Gonçalves
espero que a distância mate.
que seja apenas distância.
e mate.
procurarei morrer nas tuas mãos
à distância. com uma morte de ausência
silenciosa. uma ausência de mar parado
como a morte. imóvel. de rosto azul. mas
à distância. uma morte crua de ausência.
dolorida. parada. salgada. como o mar
na sede do abandono. morrer à distância
nas tuas mãos brancas. uma morte
premeditada, programada, escrita.
uma distância com lâminas de aço,
luminosas e orvalhadas
como as rosas.
essa é a morte que vem. sobre o mar.
lívida de espanto, soprada pelo vento.
a morte a navegar, nívea, nas velas
da ausência, nos dedos hirtos, separados
como estilhaços de carne ao espelho
do tempo, algas de abismo, anémonas
de profundezas azuis e negras. sim,
espero que a distância mate. agora,
na hora de ser jovem. de amar
a poesia nos olhos ausentes
de uma mulher. mas que mate
o corpo e a alma de flamejante
juventude, tom afinado de uma sinfonia
por compor. mas que mate. trucide
e se espalhe pelos campos, por toda a serrania
e me isole nos picos, nas nuvens, num dilema
de amor, nos versos de um poema de vida
a ser relido pelo cansaço, pelo temor
de voltar a renascer e, por uma hora
como esta, acordar e dar dois passos,
na casa onde se diz
morar um velho. morto
em outros braços.
José António Gonçalves
(22.10.04)
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