(Um Pouco) Da Poesia Perdida
O dia a gente faz como ele quer,
porque muitas vezes não se sabe o que se deve fazer...
Quase nunca faria o que todos queriam,
por isso diziam que poderia fazer melhor.
Outros diriam o contrário,
que não passava de um otário
com medo do brilho do sol.
Descendo do morro a ladeira,
“lata d’água na cabeça”,
a saia rodada estampada,
vermelho, azul, laranja, cobra-coral,
faltava um laço de fita
que lhe prendesse os cabelos.
“Ela diz que tem, que tem, que tem,
que tem, que tem, que tem, que tem.
Tem cheiro de mato”, tem um belo corpo;
se deu conta de que não havia balangandãs.
Dobrou valente no fim da esquina,
assim como quem diz que não era o Assis,
sentado à mesa de trabalho,
conferindo os termos do contrato
à luz das posturas aduaneiras,
escondido atrás do pince-nez de prata
nos idos de 1932. Depois que não houve mais nada
de que não pudesse dispor.
A luz do dia brilhando
revela a solidão escondida
no meio do tapete de folhas
esparramadas na calçada larga
de uma rua qualquer de Belém.
Alguém que não jaz no além,
mais fácil tê-lo sozinho
dormindo ao lado de mim.
Sou assim como um clarão na areia
em que nunca se achou o talismã,
ou como a flor do amanhã
que se esqueceu de nascer.
Quem dera pudesse viver
partindo lá longe do fim,
chegando aonde ela estava,
a deusa do mar, do amor,
a deusa do meu estupor,
vergonha que é tola e cruel
como dos lábios o mel
que não me permito provar.
Sem querer te odiar,
digo-te um palavrão.
Onde é que ainda estão
as minhas calcinhas de renda?
E a meiga tolice, oferenda
pra minha mãe Iansã?
Onde está meu embornal
com todos os meus apetrechos:
lápis, borracha, papel,
gilete, lixa de mão,
batom, breve, canivete?
Preciso manter o plantão.
Dobro correndo a esquina,
a luz do sol me ilumina:
pra quê fugir mais de mim?
Rio, 03/09/2005