Polaridade

Somos mais do que um,

Somos meio.

Meio bons, meio maus,

Meio alegres, meio tristes.

E nessa divisão

Tentamos nos compor.

E nessa absurda matemática

Que o Universo nos fala

E que o Homem não entende

Vamos nos multiplicando,

Divididos, buscando ser inteiros.

Por isso tenho em mim

Um pouco da alma

De cada ser humano.

Por isso minha vida oscila

Entre o que sou

E o que também sou

Mas não estou.

Por isso tenho cara de russa

Mas a alma tropical.

E amo do mesmo modo

Os campos da Provença

E as montanhas de Aiuruoca.

Por isso olho o lindo mar de meu país

Mas penso que estou de costas para o mar de Neruda

Tão belo quanto este

(e que eu também queria ver neste momento).

E sou um dos Doze Cavaleiros,

E morri na fogueira da Inquisição,

E algumas pedras da Grande Muralha

Estão lá por minhas mãos.

Já pisei na Lua, sofri por amor, escrevi poesia.

Já tomei veneno, lutei em revoluções, chorei de alegria.

Fui açoitado e vi meu filho morrer de fome.

Já odiei um ditador

E já fui um ditador.

E são esses fragmentos acumulados,

Esses seres uns aos outros costurados

Que me compõem.