SONHARES.
Deitarei na relva e cantarei minhas tristezas
a sombra de uma árvore qualquer.
Correrei pelos campos e aprisionarei a brisa
se o tempo me permitir: é ontem que se aproxima
de minhas retinas doloridas, de meus ouvidos cansados.
Partirei um dia para meu paraíso interior
e contarei com a presença do mais terno amor:
o meu amor por mim.
Escalarei em imaginárias escarpas meu destino,
buscarei no meu passado minha vontade de viver.
Por onde anda meu coração?
Perdi-o numa curva de estrada qualquer
ou numa cachoeira sem queda.
Tudo em mim dói e tudo em mim calcifica:
Meus salmos não são cânticos,
antes poemas tristes.
Pastorearei minhas ovelhas nos campos do porvir
e o rebanho de cabritos entregarei para o gáudio das crianças.
Qual Davi desnorteado chorarei meus salmos
pelas amplidões dos campos afora...
Chorarei minha alegria
e na minha tristeza incontida gargalharei.
Meus ouvires, meus falares...
Nada, nada, nada, nada...
d’ora em diante serão meus calares.....
II
Tangerei a minha lira mesmo depois do desespero,
pois a minha alegria é uma condição de espírito.
Ouvirei da estrela minha amiga
sua canção de ninar e dormirei feliz.
Me cobrirei com o véu da noite
e me aquecerei com as lembranças do que foi bom.
Darei risadas com o vento que chegará do Atlântico Sul.
Pedirei minhas esmolas numa esquina imaginária
após haver me transformado num pobríssimo mendigo,
numa cidade igualmente imaginária.
Partirei para siderais viagens intergalácticas
e tirarei férias das minhas neuras:
O amanhã será passado, o passado quem sabe será futuro.
E quando eu estiver mais triste de não ter jeito
comprarei passagem para Pasárgada e partirei.
Lá não sou amigo do rei nem inimigo do prefeito,
muito menos conheço os camaristas.
Me encontrarei com Manuel Bandeira,
que é sim amigo do rei,
pedirei a sua benção,
ouvirei seu “berimbau”,
tomarei café da preta “Irene”,
e anunciarei a minha decisão.
Sou mesmo resolvido: digo sim ou não.
Se resolver voltar, despeço-me de mim mesmo
e volto pro mundo cão.