A Menina e a Lua

Da face tenra da terra, meus olhos entristecidos contemplavam com certa sonolência a beleza serena e mórbida da madrugada. No silêncio oco que se fazia, despi-me do corpo imundo e cansado, deitado na face fria da mesma e alojei-me por um breve momento na imensidão profunda dos sonhos. Alcei voo rumo ao Sagrado Jardim de Deus e, ao entrar, vi o amor todo florido de mãos dadas com a sorridente tristeza pulando incessantemente de lá para cá. O ódio, já exausto, descansava nos braços da eterna alegria. Os ventos inquietos, banhavam-se no perfume da mais recém-nascida Primavera, enquanto, o sereno e as estrelas, juntos cantarolavam sem parar nos ouvidos mal humorados da ranzinza solidão. Então, uma menina vestida de sabedoria e ponderação aproximou-se de mim de mãos dadas com a lua. Com um leve sorriso, seu olhar pousou timidamente sobre o meu e na quietude perene dos sonhos, indagando-me, disse:

“ Caminhas nas sombras da incerteza. Não crês no sangue do eterno vivente em você nem tão pouco respeitas o mundo que o tem. Que amargo é esse que decanta no doce da tua alma e transcorre imundo nas insanas vertentes do teu insólito coração? Coração esse cuja a luz do amor anseia iluminar, mas não consegue penetrar na escuridão do egoísmo, o qual, repousa nas profundas águas desabitadas do teu Eu. O que acontece com os teus olhos, pois só almejam cobiças e vantagens? Longe de todos, derramam, na gentil face que os abrigam as falecidas lágrimas do remorso desarrependido, pois, em sua razão, não há lugar para fraquezas nem tão pouco para arrependimentos, há apenas ganância.

Ouça bem, filho do homem. Tal qual o sol nasce e derrama sobre a face da noite adormecida o incomensurável brilho do seu ouro, nos seios da lua prateada, uiva, com imensa tristeza, o vento solitário bem como o tempo em você. Não queira ser maior que o amor nem tão pouco tente sucumbir a virtuosa morada da tua alma, pois, desta furtiva guerrilha insípida, suas lágrimas se calarão diante dos teus olhos e o teu sangue escorrerá do teu sangue.”

Ao final das suas tempestuosas palavras, o silêncio, até então dilacerado, curvou-se diante de nós. O olhar tênue e meigo da pequena menina adormeceu lentamente sobre ele, enquanto, o áureo da sua aura tomava conta da minha face incompatibilizada. Então, um sopro frio e ardente de dentro de mim, soprou estarrecido em direção ao nada. Num movimento rapidamente lento, uma estranha luz cegou a escuridão que se fazia nos meus olhos e ao abri-los, já era dia, a terra estava quente, meu corpo limpo e descansado e o sol irradiava aos meus olhos a beleza de um dia que eu jamais vira.