DESAFORO
Hoje acordei desaforado
Dei um basta no sofrimento
Um chega-pra-lá nas moléstias
Um me-deixa-em-paz nas doenças
Fiz crescer minha perna amputada
Peguei com as mãos
As cores que não via
Discursei contra minha mudez
E chorei horrores
Mesmo indiferente à miséria
Doei meu sangue aidético
E salvei uma pessoa
Ensinando-lhe que a vida
É mais do que a moeda
E ela sorriu
Estendendo seu braço
Abrindo sua mão
Socorrendo o pedinte
Diabético,
Adocei a vida dos depressivos
Banhando-os em meu sangue
Curado que fui
Pela vacina produzida
No coração do racista
Que, de olhos abertos,
Mirou os diferentes e, pasmo,
Reconheceu-se neles
Hoje eu acordei abusado da vida
Estapeei a maldita tuberculose
Respirei com meu terceiro pulmão
E soprei um pólen de alegria
Para que flores nascessem
No gangrenado coração do avarento
E na alma cancerosa do egoísta
Hoje eu acordei desaforado!