Lavagem

A ventania arrancou todos os bancos da praça

onde estava sentado a ver a lua.

As árvores voaram para dentro dos meus olhos.

Cantei, para espantar a tristeza,

mas, cadê a voz? E vós?

Não me deste, desta vez, a língua.

Pus pedras nos limpos do caminho

e pude ouvir a longa canção de um passarinho,

sem gaiolas, preso à minha boca

que, quase louca,

deitou-se no verbo inusitado

e só assim pude gritar parado

quando soube de mim que vós

nada sabia do meu passado,

longe dos bancos desconsolados das praças,

próximo à canção daquele pássaro,

agora já não mais apenas passarinho.

Às vezes sorrio de minha alma, sem perguntas

que faça ao mundo, imundo de tudo,

do que depositamos nele.