Velhos poetas...

“É no devaneio que somos livres.” (Gaston Bachelard)

Pelos acessos das minhas veias

corre sangue dos velhos poetas.

Navegam na desgraça dos meus

desacertos os meus taciturnos

parceiros e vagantes das letras.

Entre um braço e outro, um poema

que presta e outro torto que infesta!

Corre também por aqui

um ranço de cama suja;

coisa de velho rabugento

que tem horror a sabão e banho.

Pelos acessos das minhas veias

corre sangue dos velhos poetas

e um riacho de manhas e manias...

Neste emaranhado de vias

líquidas, se misturam os que

se adoravam e os que se odiavam...

De súbito, o poema toma a pena

das mãos hesitantes do velho

poeta e sai correndo a brincar

de pique – esconde, não volta jamais.

Fica um velho a tremer

sem saber o que fazer com

a sombra do poema nas mãos...

Dentro dele ainda tem conservado

o poema mais venerado que

por rebeldia não quer nascer.

Pelos acessos das minhas veias

corre sangue dos velhos poetas.

O sono tempera o sonho e no

horizonte da mente ele flerta

(em vão) com o seu poema mais renitente.

Além, pela madrugada, encontra

desgovernado o poema pelos becos.

Mas, quando intimamente lhe dá as mãos,

sai cambaleante a zombar do pobre, o poema.

O homem, antes falante

e dominante das letras,

sabe que agora não passa

de um velho já velho demais,

que perde o controle das rédeas

quando tenta domar as palavras...

Sem medo ele compreende

que vem chegando do além

um sono profundo que tem

cheiro de sepulcro e

gosto de eternidade...

Sabe também que deu vida

a vocábulos antes mais

mortos que a própria morte!

Enfileirou uns aos outros,

reinventou outros tantos

e criou poesias e poemas...

Mesmo que vez ou outra

alguns lhe escapam

para brincar de pique - esconde

pelos vãos da mente fatigada...

Pelos acessos das minhas veias

corre sangue dos velhos poetas...

IVAN CORRÊA
Enviado por IVAN CORRÊA em 12/01/2017
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