Estou aqui 
e ninguém deve me ver.
Ninguém deve falar comigo.
Interagir... perceber-me.
Sou paisagem ou contexto.

Não sou sujeito e nem objeto.
Não sofro vivências e nem de vidências.
Sou a evidência daquilo
que não pode existir.
Não existe.
Não existo.
E se insiste em existir é torpe,
é vil e inútil.

Mas, para que serve ser
clandestino?

Viajar em silêncio.
Deslocar-se entre sombras e
respirar esse oxigênio furtado.
Comer escondido.
Beber com medo de ser envenenado
pelo próprio medo ou
morrer
pela sede infinita.

Atravessar desertos
semânticos sem uma palavra sequer.

Estou aqui.
Geograficamente aqui.
Corporalmente aqui.
Sou a substância subtraída de um momento,
de um flash...
que paira sobre a fotografia.
Que se amarra no obelisco
público dos paradoxos.

Se expõe nu e às cegas.

Estou aqui.
Sou clandestino.
Nessa nau insólita.
Nessa astronave imaginária.
Blindada por pensamentos suicidas.
E ilhada por um abismo cíclico e 
mordaz.
Oceanicamente em névoas.

Clandestino não pode tossir.
Não pode engasgar-se.
Não pode engajar-se.
Não pode existir.
Mas, existe.
Na infelicidade fugidia
de tempos corridos.
De vidas encobertas 
e discretas.


Clandestino não é poeta.
Não é pateta.
Não é esteta e nem diale.
Nao é santo.

É um monge em voto de
castidade e silêncio.
Vive de pobrezas explícitas
e de restos jogados nos
descaminhos da viagem.

Chegamos ao porto.
O clandestino se liberta.
Tal qual o rato,
percorre graciosamente a corda,
até as amarras...
Então se liberta 
na terra firme
 de ninguém.

Um ninguém que
de repente se liberta
e cai no cadafalso
da estória.


GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 02/06/2014
Código do texto: T4830098
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