Efêmero, Agênero
Cortei o cordão umbilical, nasceu!
Deu-se de parto natural, gemeu.
Berrou para anunciar-se viva
num quarto de hora e meia da madrugada,
és tu, rediviva poesia inesperada.
Carne viva, viva alma,
examino-te a palma das mãos
pequenamente sagradas.
Na perícia do exame,
icterícia veio amarelar,
sacramentar o mal recém-nascido.
Providência. Banho de luz
para fazer jus à restauração.
Comprei-te macacão, não serve.
Vestido também não.
Cresceu um pouquinho, falou mamãe.
Não quis carrinho por mais que o ganhe.
Eureca! Dar-lhe-ei boneca.
Para espanto, desencantou-se, não quis.
Já não sei como chamar-te, despudorado.
Proclamarei-te, então, poema inominado.
Entre tuas pernas o nexo enlouqueceu,
esqueceu de segredar o sexo.
Que és então?
Crônica hermafrodita?
Deifica-se e safa-se da curiosidade humana.
És poesia, és poema, és crônica.
Castíssima és tu, ó maravilha sinfônica!
Baluarte efêmero, bibelô delirante-agênero.