Desvios
(I)
Tenho Jesus a meu lado, peitudo.
Pode o mudo falar?
No entanto, não me iludo.
Contudo, proclamo: te amo.
Não chamo o teu santo nome em vão.
Lá se vão tantos anos da tua ausência
na plenitude do meu quarto.
Sob a sombra confortável de uma árvore
dorme o meu cochilo.
Os sapatos não servem pro pé.
Qual é a tua, ô cara?
Quantos irmãos você tem? Ninguém
chamou, as vozes ecoaram, alguém ouviu,
rasgaram o pano, a membrana ruiu
a mente fugiu, o rato comeu.
(II)
Tenho Jesus a meu lado, sortudo.
Vou com meu escudo escutar
e, no entanto, não me iludo, sei de tudo:
verdade, mentira, a ira e a ilusão.
E o avião?
Lá se vão tantos anos da tua presença
na crença na cama da colcha febril,
sob o sigilo da noite, junto da máscara azul
da lua do manto do véu.
Não se importaria se subisse a escada.
Cara, qual é a tua, bicho?
Cetim, sei sim; é isso, moço, o poço
tem fundo, funil, mas quem subiu não parou.
(III)
Tenho Jesus a meu lado, contente.
Se mente, somente se pode dizer
que não, que sim, que talvez
a mente não tenha razão.
O mundo se consumiu,
digeriu a geração,
a bomba não explodiu
na plenitude do meu quarto
da cama da colcha febril,
sob o sigilo da noite,
o açoite de todos comigo,
a puta se inflama na cama.
Tiveram as cabeças partidas,
os quartos cortados ao meio,
estando Jesus lá com eles
desde os seus nascimentos,
desde que o mundo existiu,
desde que ele acabou
e veio depois o delírio;
o grande martírio é pensar ...
Rio, 11/04/1984