CASTIGO NA VOZ DO CASTIGADO
Houve um tempo em que não duvidaria te amar
nem sequer por um momento
e amarrado a cadeira elétrica
encerraria teu nome nos meus lábios.
Houve um tempo que não passaria em minha alma
sombra de hesitação e ao primeiro clamor
acometeria o mais infinito mistério
afim de desvendar o teu segredo.
Neste tempo não estava tão cansado
e pensar não me trazia nenhuma dor.
Pelo contrário, enchia-me de luz, era refratário
não havia norma para me mimetizar.
Minha matéria tinha clara existência
e minhas mãos eram marcadas por Tupã.
Não havia impossibilidade que não sobejasse
e passava os dias labutando meu rio;
foi nesse instante em que te vi
e desapareceu meu manancial cristalino.
Vinha-me com teu sorriso caboclo
e tuas mandingas encharcaram meu coração!
Não havia noite em que não cantasse
com meu violão de duas cordas as canções da lua.
Tu ouviste-as todas e com uma ternura nos dentes
fez crepitar toda minha consideração pela arte:
Não as queria, não as desejava. Querias ouro!
Cordões de tucumã não te atraiam
penas de andorinhas não te cobriam
e disse-me que andarias nua
se não conseguisse tua seda e teu marfim!
Ai de mim! Ai de mim
Que neste tempo te amava e não hesitava
de por tudo que fosse mais sagrado
conseguir estes teus desejos de moça jovem!
Não havia pavões na mata e nosso interior
digeria todo o ouro que encontrava!
Nenhuma cor amarela! Nenhuma pena vermelha!
E que dirá a seda que te cobriria!
Enfim, tomado de amor e desespero
reuni minhas parcas posses e matei um porco
afim de ter comida até o final da viajem!
O rio conduziu-me até a cidade donde
havia um grande prédio cheio do mistério que te prendia.
Eu agi e no final do sétimo dia estava de volta
com tuas prendas maravilhosas
e os olhos marejados da fúria de Tupã!
Meu erro era evidente e esperei uma volta de lua
Para partirmos rumo a tua capital.
No final restava somente eu.
Meu amor tinha ido embora e deixado
o desespero!
Os homens vieram quando a chuva passou
E me levaram sem nenhuma resistência.
Eu que em outros tempos mataria cinco
com um único golpe de terçado!
Fui preso, torturado e julgado.
Queriam que eu dissesse teu nome e teu paradeiro,
uma mínima pista do teu ouro desgraçado
e engoli tua palavra junto com minha língua!
Burro do jeito que sou me esqueci que já não te amava
que fugiste e me lembraste
durante minha angustiosa execução
o fulgor do meu erro.
Tu estavas na primeira fila:
com tua seda e teu ouro, tuas penas azuis e vermelhas
com um homem branco que tinha um macaco nos ombros.
Mas Tupã me deu forças e a cadeira pegou fogo de tanto raio
levantei-me cheio de consciência, o povo apavorado
só tu não te mexias, nem gritavas, nem gritou
quando arranquei teu beijo
Que fundiu teu ouro nas tuas pálpebras
Tua roupa na tua pele e assim queimamos
Por puro ódio um do outro.
Os corpos carbonizados viraram estátuas
que os caboclos batizaram de “Coitarca”
nossas almas presas vagam por ali
Sem nunca se encontrar, sem nunca desistir.
Só Tupã nos assisti no nosso castigo eterno
dando palavra ao poeta que registra
nossa história de desespero e perda
para alertar o resto do seu povo:
Ninguém deve se entregar ao amor em desespero
E nem desesperar por um amor desesperado
Que disso se sucede sempre o desprezo
Com toda sorte de um final amargo.
Do Livro “ISTO”