"O BONDE"
Acuda aqui, alguém viu?! Perdi o bonde
Estava aqui, acolá, sei lá aonde
Já liguei e o bicho não responde
Se perdeu foi no meio dessa gente
E essa perda me ainda é tão latente
Num instante, bem sei exatamente
Estava abaixo da faixa do horizonte
De verdades guardadas eu tinha um monte
Espichadas cobriam a maior ponte
Que rodou, levada pela enchente
A boca que não tem mais nenhum dente
Essa dor, ao menos, já não sente
Qual a dobra da tromba do elefante
Agorinha vi, era minguante
Da alegria que se foi e vai distante
Da lembrança que fica renitente
Mas esquece de mim só lentamente
Que encontre, quem sabe, de repente
Meu sapato perdido na garganta
Um almoço só vale pela janta
Se o espinho da fome já for tanta
E o estômago de ronco não se aguenta
Se a moeda maior é de cinquenta
E de graça, nem de frio se experimenta
Só o calor do fogo é que ensina
O jeito de pegar na lamparina
O jeito de dobrar aquela esquina
Sem quebrar os vidros da janela
Da Januária, a tal que era bela
E que o mar, mais perto dela
Pra ficar, fazia maré cheia
E o Chico, de certo, esperneia
Se souber que a musa alheia
Botei pra sambar nesse infinito
Que era curto, fino, um pirulito
E há pouco comeu meu periquito
Que por sorte, de triste, já não canta
Nessa altura, me digam, e aquela janta
Não faz rima, perfeita, com garganta?
Se essa fome, danada, já me arrota
Não desprezo no couro dessa bota
O cheiro de churrasco em minha rota
Que me leva, direto, para aonde?
Já gritei, já gritei, mas não responde
Peraí! Peraí! Eu perdi... de novo o bonde.