Parafusos

Não me acho no semblante

da abóbada estelar.

Se a chuva me molhar,

me emudeço num instante.

Meu prazer mais radiante

é andar pelo caminho,

mesmo se for intrigante

percorrê-lo tão sozinho.

Vou entrando, sou intruso,

no pedaço da madeira:

me acomodo – o parafuso

quer viver a vida inteira.

Minha cor, um tom pastel;

meu sorriso, um fogaréu

incrustado na maçã,

esperando o amanhã.

Serpenteio a ferramenta

até onde ela me agüenta.

Caio mole no tapete,

espeto a bunda no alfinete.

Meu humor num tom blasé,

não espero por você.

Amanhã na capital.

te procuro no jornal.

Você fala e nada diz .

e não traz o que eu quis.

Eu me sinto corrompido,

mas eu gosto e faz sentido

segurar a tua mão

mesmo que a solidão

seja uma chave de fenda

que me aperte e me ofenda.

Lá na curva do riacho,

eu já sei que não me acho.

Me machuca o vaticínio.

que elimina o raciocínio.

A pobreza da paixão,

que me obriga a dizer não

às trombetas da miragem

da mais pura sacanagem.

Cobertura de madeira,

ponho a mão na frigideira

que não crê que tem astúcia.

esse bicho de pelúcia

E eu me atiro no urinol,

pendurado pelo anzol,

que me aflige a consciência.

não tolero a imprudência.

Gosto de lembrar você

nesse meu humor blasé,

que não vale um tostão,

nem a sopa de agrião

que jamais eu ingeri,

nem quando me travesti

de soldado da opulência

no vigor da inocência.

Quero a chuva de verão,

quero a força da expressão,

quero a puta madrugada,

que não vai servir pra nada...

Rio, 16/02/2006