O Samba Da Crioula Doida De Mil Pernas

Quem é ela, quem é ela

Por quem eu iço as velas

E meu barco vai navegar

Quem é ela a mulher da janela

Rua Chien Andaluz, n° 100 s/n°

Que bela prece ela quer rezar

Quem é ela, essa donzela

Do acordar tão cedo, por que

Esse medo de se atrasar?

O buzão passa as cinco em ponto

Ela tem de rezar uma prece antes

De banhar. Meia hora para o café

Passo a colher na manteiga e a mão

Na fatia de pão integral. Ela passa

Os dedos nos cabelos, enquanto com zelo

Leva à boca o ovo pitado de sal. O café

Quente na língua. Os olhos a navegar

Na parada sobe depressa. O motorista

A acelerar. O olhar de lado na expectativa

De, na próxima parada saltar. Quem é ela

Que saiu tão cedo, talvez com medo de se

Atrasar. Os sonhos vão se sonhando na

Velocidade do ônibus a navegar. Quem

É ela, quem é ela. De noite ao chegar

Há uma festa a comemorar. Alguém conta

Seus passos ao vê-la se aproximar. O noivo

Sáurio traz um presente raro para lhe dar

Quem é ela que vai o presente aceitar?

Quem depois vai desatar os nós dos laços

De seus presentes de aniversário?

Conta os dias que passam para sair do salto

Alto que a detém nessa prisão. Quer que o

Milagre aconteça, o mar vermelho se abra

E seus inimigos morram afogados no sangue

Gelado da menstruação. Quem é essa quase

Menina que está tão sozinha entre outras cem

Serão mil, um milhão? Quem será que lhe

Acompanha debaixo nos cobertores da cama. Que

Esperanças podem resgatá-la para outro dia?

As dores do mundo prosperam. Mas ela

Mantém nos seus traços ainda hoje ao

Completar sessenta e quatro, a mocidade

De há trinta primaveras passadas. Ainda

Agora, quem diria, sexagenária, guarda

Talvez sem saber, o olhar de um pária

Excluída das alegrias prometidas nos

Intervalos dos programas da tv. Ainda

Parece assustada, talvez com medo de

Saber-se objeto a flutuar na dinâmica das

Horas do dia, barco trôpego, coreografia

Do mundo, barco virtual, fantasia a navegar

Aprendeu a se preservar. O corpo olha de

Lado e se pergunta assustado: “Que horas

São essas do dia”? Precisa voltar à

Padaria, os filhos estão sem café da manhã

Cobra o programa na sombra do banco de

Passageiro. Faz parte no mundo comportado

Das pessoas da caverna de Platão. De tarde

A família passeia no shopping. De repente

A perplexidade. Ela caminha com suas mil

Pernas. Quer se levantar, mas quase cai da

Cadeira. Com tato faz contato visual com

Seus cem mil dedos na sala de espera do cinema

Espera começar o Menino Maluquinho. Qual

O quê. Que há de errado. Está como se

Estivesse no deserto dos Tártaros, com essas

Mil pernas abrindo e fechando, lhe causando

Algum cômodo prazer. O tempo lhe interroga

O coração da filha de dezoito, calma e terna

Que está acontecendo de direito e de fato?

Que diferença faz ela ter 15, 16, 17 ou 64?

Será sempre prisioneira da caverna de Platão

Essa era pós-moderna. Quem é ela, quem?

É ela? Que transita com essas mil pernas

Seus cem mil olhos olham de esguelha

Vendo-se na banda que passou. Em casa o

Marido grita gol torcendo para o Corinthians

É dose. Leva uma vida ideal, meio tonta

Prosperou em roupas da moda, ouve os CDs

Da Madonna. Habitante do mundo normal

Vai na farmácia combater uma virose

Foi à praia e pegou uma micose. Sob o sol

Desse beerrobró teve um surto, passou mal

Que está havendo com ela. Quem é ela

Manequim do museu de teias do Natal

Todas essas mercadorias em oferta. Ela,

Que possui a Terra, erra nos corre dores

Do shopping. Com suas mil pernas passa

Passeia penetra portas, rompe cadeias

Vai ao banheiro, uma carreirinha de pó

Aprendeu desde tenra idade que os aliados

E os adversários estão sempre do lado dela

Pagam por seus pelos e poros nas camas

Parte de todas as tramas. Ao mesmo tempo

Tão completamente só. Por vezes olha invejosa

As mercadorias caladas a lhe desafiar

O eletrodoméstico em dez vezes, sem juros

No próximo mês vai comprar. O marido foi

Assaltado, está internado, vai economizar

Em todo lugar essa violência onipotente

Que vem de idas sementes, em todos os

Lugares presentes... Ela fica na tensão

Na cabeça certa tormenta, na tv as Torres

Gêmeas em perene explosão. O ambiente

Mental globalizado pela Terceira Guerra

Mundial, é real. Não filme de ficção.

E o Chaves do programa de humor

Agora é o presidente trush da Venezuela

Quem é ela. Quem é ela?

Com suas mil pernas abertas

A parir soldados para as guerras

Quem é ela quem é ela

Com seus dois mil seios

Amamentam invejas secretas

Mil incestos com as mãos.

A normose dela explode

Em todos os lugares sacode

A bacia em requebros de dá nó

Com suas mil pernas para o alto

Ela faz cantar a turba com primitiva

Emocional dissimulação. Quem?

Que coisa é ela nem parece estar só

Em meio da multidão irada

Cabeça feita pela malvada

A vida regida pelo universo

Virtual. Quantas múltiplas

Pernas para todos os recantos

Globalizados viaja a buscar

Inutilmente uma vida que seja real

Quantas múltiplas mulheres

Seu corpo único contém. Todas

Parceiras da morte súbita

Que as notícias de tv contêm.

Quem és ela? Onde estão os seus

Valores? Que será seu amanhã

Igualzinha ao que foi hoje

Por que não transcende

Esse mundo sóbrio cão?

Faz parte dela ser comportada

Mas sempre muito ouriçada

Modelo da caverna de Platão.

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 19/04/2010
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