O LOUCO


Ele acordava antes do sol se levantar
e já perambulava pelas ruas
a bater nas portas das padarias
atraído pelo cheiro de pão.

Pão quente no embornal
lá ia ele rumo ao mercado municipal
com a caneca na não a procura de quem lhe servisse um café...

Depois se transformava em um ator
autor de sua Divina Comédia
que ele que encenava na beira do cais
em cenas compostas de gestos e cacoetes...

Oras, era Castro Alves a lembrar os navios negreiros
noutras William Sheckspeare a lembrar a tragédia de Romeu.

Altruísta... esquizofrênico...
ele aplaudia seu próprio espetáculo
e gritava eufórico ao final da cena:
- Bravo ! Bravo, meu Rei!

E assim
o louco vagava pelas ruas de Correntina
Santa Maria e Santana
até em Posse, no Goiás
fora visto recitando sonetos de alexandrino
representando a vida em doce pranto...

Quem o ouvia se espantava com tanta dramaturgia
mas tornou-se rotina o retrato de sua vida
na praça...
no mercado...
em qualquer lugar da cidade
ele se anunciava na rotina de todos os dias.

Por semanas as vezes, revivia o mesmo papel
tomado pelo encanto de chorar a dor que não era só sua !

Um dia... na praça da matriz
com uma tocha na mão
bradava em alta voz:
- Vou incendiar Roma !
noutro se portava como Napoleão
e se proclamava Rei da Espanha.

Em qualquer lugar era seu palco
o coreto e bancos da praça, em qualquer esquina...
Ele, somente ele,
o único ator de falas por vezes sem respostas
sem “deixas” e muitas queixas
em sua fisionomia mutante
incapaz de esconder os fragmentos doloridos
da esquizofrênica vida de dores, vivida.

Ontem representava o pai dos pobres brasileiros
e com um revolver de plástico dizia:
"- Morro pra vida e entro pra história !"
bang.. bang... atirava a queima roupa sobre o peito
e se lançava ao chão de onde erguia-se a si aplaudir...
- bravo... bravo meu rei!!! 

AH!
Quantos momentos em minha vida
sonhei ser aquele poeta louco a vagar as aldeias baianas
para fugir das tantas mentiras que se tornou a vida !
de violência tanta,  de corrupção desmedida
a ponto de desumanizar o homem...
e desencantar a vida...

Por vezes e vezes leva as horas do dia a cantar
os versos de Drumond apontando a quem por ele passava

E agora José, a festa acabou a luz se apagou
o povo sumiu e a noite esfriou...


Flamarion Costa
Enviado por Flamarion Costa em 28/06/2009
Reeditado em 25/04/2013
Código do texto: T1671351
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