Acontecimentos

Uma saraivada é uma chuva de saraiva

grande quantidade de coisas que caem

se sucedem como saraiva, saraiva, saraiva:

são pedrinhas de gelo, resultantes do resfriamento

dos vapores que formam as nuvens;

granizo

Emoções que se formam e se dissipam num instante

em que o homem acredita sentir uma emoção

uma emoção humana, sentida da ignorância do homem

mas simplesmente passa

e torna-se dissipada no consciente

que se revolta numa toada só

num bailado entoado de sofreguidão

pra nos dizer que felicidade tem fim, mas a tristeza não

Porém, as nuvens diuturnamente se formam

Pra se dissiparem diuturnamente também

e nada pode ser eterno

quando aparentemente nada se tem

mais, o nada pode ser àquilo que se conquista

com emoção de saraiva

De saraivada

Como um vulcão erupto que se ascende sem auxílio

me ascendo todo com a iniciação de uma nova sensação

que se perda rapidamente

entre uma palavra e outra que não é falada

entre um amigo e outro que requer atenção

entre uma sutil coletividade social precisada

entre uma canção sertaneja e uma estrangeira

entre a possibilidade e a não possibilidade

entre o meu amor estranho e o seu amor convencional

Ah... uma saraivada é uma chuva de saraiva

que me torna humano diuturnamente

e um descobridor invicto de fatalidades conclusas

perdido no olho de um turbilhão fenomenal

corrompido em meio a um furacão

entregue ao problemático oficio da análise

de acontecimentos tão cotidianos

que só fazem chorar aquilo que está preso

bem aqui dentro, num lugar que não é metáfora

nem com metáfora se denomina

São pedrinhas de gelo perfiladas

Caindo lentamente do infinito do céu

sobre o meu rosto quase triste por uma tristeza feliz

sobre o meu corpo quase triste por uma alegria infeliz

sobre os meus dias quase tristes por uma melancolia infeliz

Caindo, do céu...

caindo... caindo... caindo...

São pedrinhas de gelo, são granizos caindo...

caindo...

caindo...

são acontecimentos perfilados

são puramente acontecimentos

que não sabem ao certo se acontecem

ou se acontecer ou se aconteceram

e se continuarão a acontecer

Simplesmente isso

Obs. “Acontecimentos”: Ouvir a canção Goodbye de Natalie Imbruglia do álbum: White Lilies Island: [A canção chama-se adeus e fala sobre o quão difícil é encontrar palavras para dizer o que se deve dizer, neste caso, o simples adeus. Fala sobre dias iguais na vida de alguém que precisa separá-los, pelo simples motivo de querer vê-los acontecendo de maneira diferenciada, de modo incontido e cheio de bem-estar. A canção fala também de você precisar se entregar a uma vida social que o obriga a ser aquilo que se deve e nunca aquilo que você almeja, porém, você precisa estar sempre de cabeça erguida, ou pelo menos tentando ficar, afastando coisas que considera nocivas, contudo sem nunca ficar melhor. E naqueles poucos momentos ‘saraivadas’, em que as coisas parecem estar melhorando, ao menos pelas laterais, você se vê desabando de uma altura inenarrável e completamente material, isso porque a mente deixa de acreditar que as sensações sentidas sejam apenas sentimentos, e passa a externar essas emoções nocivas. Não obstante, a canção acomete o egocentrismo, e o infundado sentimento de culpa, por aquilo que fazemos sem ao menos entender porque o fizemos. E ela traz uma mensagem de que tudo ficará bem, enquanto continuarmos nos movimentando, anotando ou relatando tudo isso em cartas ‘documentais ou não’, improvisando os acontecimentos, que não deveriam ser estipulados por uma consciência cósmica e, sim transformados por nós mesmos. E a canção termina com a simples mensagem de que as palavras continuam inertes as ações humanas, por não possibilitar ao outro compreender facilmente o significado de um simples adeus].