Saga de família
Quando eu era menina
miúda e magrinha,
na cozinha da casa
da minha avó Irene,
o estalo da madeira
no fogão a lenha
vinha com cheiro de fome,
de batata doce assada!
Tudo cheirava gostoso,
o feijão borbulhava
numa cantiga de chacoalhar
as minhas lombrigas
magricelas, esfomeadas!
O avô cortava a linguiça
defumada,
pendurada,
no varal improvisado
acima do fogão.
Minha irmã abria as mãozinhas
para pegar o naco,
comia rápido! Eu a olhava
os meus olhos pidões
seguiam a faca de lâmina,
afiada. Outro naco,
minhas mãos magras
apertavam o pedaço,
o sumo da lingüiça
escorria por entre os meus dedos
esquálidos!
Os avós serviam primeiro
as crianças!
Tinham gravada
em cada célula,
do corpo,
a fome sentida
por causa das guerras,
lá pelos lados
da Itália!
Minha avó de vestido preto
_trazia na lapela a renda
feita por suas mãos habilidosas,_
espalhava o luto pela casa,
luto,
pelos seus filhos gêmeos
adoentados e mortos
na travessia do Atlântico.
Vovó tinha o poder de curar
nas orações de benzimento.
quem a procurava
acreditando nos seus poderes.
Santas as suas mãos
não puderam curar
seus filhos gêmeos,
ela não sabia da doença
dos dois,
os pais eram apartados
dos filhos
nos vapores italianos!