Olhar verde saudade

Já vivi com os ribeirinhos dos rios da Amazônia

e eles sabem viver em paz com a natureza.

No Rio Juruá vi luzes de cidade sobre o espelho d'água,

eram os jacarés que olhavam o luar.

Vi os botos, tucuxi e cor de rosa,

correndo atrás de peixe ou brincando de pular.

Vi sucurijú nas praias do Rio Jatapú,

enroladas na beira, olhando preguiçosas o remanso.

Vi o caboclo, o pescador, na corredeira com sua tarrafa,

observei quando sentou, fez fogo e piracaia, na praia do Rio Uatumã.

Andei de canoa no Rio Tapajós,

brinquei e velejei na praia de Alter do Chão,

onde o céu se encontra com a vida na terra para os anjos brincar.

Vi quando o barranco mudou de lugar,

na vila do Arapemã,

e o povo quilombola ficou sobre as águas,

na enchente grande do Rio Amazonas.

A tristeza pairou nas palafitas,

a água barrenta trouxe o capinzal e a pirambóia,

mas nem assim o homem se desprendeu do lugar.

No Rio Uruará ainda pude ver o aracu naquelas águas cristalinas,

o mergulhador no fundo vendo quase tudo,

e as toras rolando sobre as balsas empobrecendo a mata.

Vi quando o povo se rebelou,

a madeira que ficou,

a floresta que chorou,

mas enfim, o que restou?

Subi o Igarapé Arraia e vi calcário, chert e arenito,

olhei as pirararas na borda do rio com aquela boca grande, gemendo tanto...

o pirarucu no fundo da canoa, esgotado pela luta com a zagaia e o arpão.

Agora já não há rio, não há mais o peixe grande, nem as imensas pirararas,

a madeira está envernizada e pintada,

o povo ficou na beira do rio sem suas matas,

o menino chora a falta de canoa pra remar.

O que será de mim?

o que será de minha saudade?

não poderei retornar jamais,

pois sei que minha bela vida de outrora,

já se dissipou e encontra-se apenas nos escaninhos do meu ser.