Soro Caseiro

Não me impressiona o quão rápido passou o ano.

Como o tempo agora urge.

Se o caminho é longe e a estrada a fora é muro.

Se tenho pernas longas e às vezes dou passos pequenos.

É inevitável.

O que me intriga é a entrega do corpo, a morosidade das células, o desleixo da melanina nos cabelos.

A voz cansada das pupilas.

O encurvamento da coluna diante da cumplicidade dos órgãos.

O réquiem dos pulmões: uma sinfonia caduca, com tubas e violinos desesperados.

Envelhecer.

Como pode ser cruel assistir a passagem dos anos.

Como pode ser banal comemorar a passagem dos anos.

Da próxima vez, na noite de réveillon, não vou pular sete ondas.

Nem me convencer de que agora é janeiro.

Vou beber água do mar, cheirar a maresia, me impregnar do sal da vida.

O agora é aqui, esse grande instante.

É a areia que abraça o pé, o vento que transtorna as palhas de coqueiro. É o que não se diz em fila do SUS.

Hipocondria de júbilo e gozo.

Vida sem prescrição ou fórmula.

Posologia fora do lugar.

Vou fazer assim;

que é pra ver se eu não envelheço, não espero, não paro.

Não sinto perdão, não me compadeço.

Nem pago salário ao relógio: pobre diabo, tic-tac gratuito!

Kaike Lamoso
Enviado por Kaike Lamoso em 25/05/2012
Código do texto: T3687541
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