Soro Caseiro
Não me impressiona o quão rápido passou o ano.
Como o tempo agora urge.
Se o caminho é longe e a estrada a fora é muro.
Se tenho pernas longas e às vezes dou passos pequenos.
É inevitável.
O que me intriga é a entrega do corpo, a morosidade das células, o desleixo da melanina nos cabelos.
A voz cansada das pupilas.
O encurvamento da coluna diante da cumplicidade dos órgãos.
O réquiem dos pulmões: uma sinfonia caduca, com tubas e violinos desesperados.
Envelhecer.
Como pode ser cruel assistir a passagem dos anos.
Como pode ser banal comemorar a passagem dos anos.
Da próxima vez, na noite de réveillon, não vou pular sete ondas.
Nem me convencer de que agora é janeiro.
Vou beber água do mar, cheirar a maresia, me impregnar do sal da vida.
O agora é aqui, esse grande instante.
É a areia que abraça o pé, o vento que transtorna as palhas de coqueiro. É o que não se diz em fila do SUS.
Hipocondria de júbilo e gozo.
Vida sem prescrição ou fórmula.
Posologia fora do lugar.
Vou fazer assim;
que é pra ver se eu não envelheço, não espero, não paro.
Não sinto perdão, não me compadeço.
Nem pago salário ao relógio: pobre diabo, tic-tac gratuito!