dormentes não dormem
o trem movia-se célere pela madrugada
sobre trilhos que não dormiam
sobre dormentes niquelados
que se mantinham acordados
esperando por ele (por ela quem
esperava era eu)
a vida numa estrada de ferro
são os trilhos e dormentes que não dormem
mas é também a atendente que ajeita o modess
no banheiro destinado aos funcionários
antes de se preparar pra dormir
após ter servido o jantar ao último
passageiro do carro-restaurante
estamos em 1947, o absorvente chamava-se
assim e ainda não tínhamos caminhado tanto
no carro de poltronas comuns
um notívago alcança uma revista
fingindo interessar-se por um assunto qualquer
o passageiro indevidamente embarcado
não precisa temer porque ninguém vem conferir
os bilhetes à essa hora
existe todo um universo apenas peculiar
aos trens quando estão trafegando
(na gare é outra história)
como os lustres nos vagões
que nos trazem o barroco, de tão retorcidos,
apesar de estarmos em 1947
nem vamos falar do maquinista
que não dispõe de computador
e nem a sua potente máquina
a óleo diesel disso necessitaria
enquanto não tenho uma revista pra alcançar
e nem a cama do vagão dormitório,
vou até à sacada entre um vagão e outro
pra ver se a escuridão passa depressa,
com a mesma celeridade do trem...