A caixa de prata.

Ganhei  a caixa de prata
quando fiz cinquenta anos.
Pensei. Eu mereço.
Com meio século de vida
tenho muito para guardar.
Mas será que há tanto espaço
nesta caixa retangular?

É uma caixa trabalhada
pelo mais fino artesão.
Os arabescos da tampa
são labirintos da vida,
caminhos do coração
e, por mais que busque, contrita,
jamais encontro a saída.

Levanto a tampa de leve
e admiro a forração.
O cetim almofadado
do mais puro carmim
é fogo que queima e não mata,
labaredas da paixão,
razão de todo viver.

Guardo as jóias que ganhei.
As medalhas que conquistei.
Retratos velhos, rasgados.
Cartas já esquecidas.
Lembranças da primeira comunhão.
Figurinhas repetidas
de um álbum inacabado.

Tudo que nela coloco
me envelhece mais um ano.
Cada lembrança é uma agulha
fincada no coração.
Ampulheta cruel,
pedregulhos pntiagudos
impedem meus pés de andar,

Caixa de prata escondida
no fundo do meu armário.
Os meus segredos guardando,
até de mim se escondendo.
Eu fico em volta girando,
querendo abrir e temendo
qual Pandora ensandecida.

Imagino tudo diferente.
O que sonhei sendo vida.
E, se abrindo a caixa de prata
eu lá dentro encontrasse
não as minhas lembranças,
mas as de quem eu não fui
sempre pensando que fosse?
 
(poema inserido no livro inédito: Mapa da Vida)