Passatempo
(I)
Rugas no meu rosto meu cabelo tá caindo
o meu terno em desalinho
me aperta o colarinho
a camisa não dá mais em mim
tou gordo
meu cinto é preto
e na sala a gente joga Leilão de Arte
pelas ladeiras de Ouro Preto
tanto cinto de couro tanta coisa de ouro
tanto cabelo loiro tanta moça descalça
igreja vendendo à bessa
gente comprando à bessa
poeira na estrada a gente do caminhão
quero comprar esse quadro
quero ganhar esse jogo
todas as vozes se ferem
todas as vozes são risos
todos os olhos me olham... só vejo mesmo o amanhã
no momento estou mesmo
é com uma vontade de peidar danada
(II)
Chegamos na mina tanto vagão tanta poeira
talvez tanto ouro ainda saindo de lá
é sem dúvida um complexo industrial muito grande
que só poderia ser montado com a ajuda de nossos IRMÃOS
americanos que levam tanto dinheiro pro céu
eu levo tanto dinheiro pro céu
aquelas cadeiras tão sujas no meio daquela grama
do meio do lago emergiu um grande monstro cinzento
(que veio me contar o início de tudo)
mas já tava na hora do almoço
papel almaço na frigideira
debaixo daquela pedreira surgiria tanto osso
apesar desse esforço como aquela caveira resistiu até nossos dias?
mostrando que o homem de antigamente
era bem parecido com a gente
essa pedra tem duzentos mil anos
e esses corpos aqui pra estudo
são de gente que a gente não sabe quem é
(III)
E olha essa cadeia de montanhas
esse trecho de estrada dava um lindo postal
enquanto isso aquele menino cresce
tem quase três anos e não sabe falar
mas papai e mamãe já cuidaram disso
já foram ao médico com o garotinho
parei o carro no meio do caminho
e fiquei olhando com cara de babaca pro céu
dois segundos depois
me lembrei que não tinha quase gasolina
(IV)
a Maria me alimenta todo dia
uma vaca se alimenta todo dia
a montanha aparece todo dia
o capim no morro cresce todo dia
essas casas de formiga todo dia
esses carros na estrada todo dia
a tv informa tudo todo dia
eu duvido de mim mesmo todo dia
e recuso meu torresmo todo dia
já disseram quase tudo todo dia
minha cara é sempre a mesma todo dia
ele acorda e lê O Dia todo dia
todo dia é todo dia todo dia
Rio, 30/07/1973