Por que?
Por que o meu estro desaparece?
Por que minha poesia se esvai?
Por que o gênio da noite desfalece,
Nos tormentos profundos e em lânguidos ais?
Por que não se ouve minha prece?
Por que não se achou um cais?,
Para ínfima nau, que flébil padece,
Nos rútilos turbilhões dos vendavais?
Por que no frio ninguém me aquece?
Seria talvez pedir de mais?
Minha esperança célere fenece,
Como as ligeiras brumas matinais.
Das chagas que tu mo fizeste,
Ficaram as cicatrizes viscerais.
Foram elas a cruz que tu me destes,
Nas agonias intérminas e dores abissais.
Por que me sulcas como a um cipreste?
Por que como árvore velha me cortais?
Minha viçosa existência encanece,
Sufocada entre abrolhos e espinhais.
Por que a dama da noite não aparece?
Por que a lua se oculta nas nuvens vesperais?
Por que meu coração ainda se entristece,
Nas gélidas noites surreais?
Por que o tórrido sol desaparece,
Nos ledos páramos celestiais?
Por que a luz dos astros arrefece,
Na sombria nebulosa de cristais?
Por que em minha sina não interferes?
Por que do charco não me levantais?
Nesse lodaçal minha razão desce,
Baixada no linho de cordéis mortais.
Por que a luz dos anos é furtada?
Por que a morte é desabrida?
Por que sinto o bafejo dessa nortada,
Em minha carne consumida?
Por que esse círculo dantesco,
Que aos pobres mortais circunda?
Por que a morte é o adereço,
Nessa terra não fecunda?
Por que nesse espetáculo lúgubre,
Digladiam-se a morte e vida?
Por que ao som de uma cantata fúnebre,
Arrasta-se essa batalha enfurecida?
Por que ouço a trombeta da guerra,
Quando os homens imploram paz?
Por que tudo é quimera,
Nessa existência tão fugaz?
Por que sinto asas nas costas,
Se em meus pulsos há grilhões?
Por que persisto em buscar respostas,
Para tantas indagações?
Por que flechas envenenadas me transpassaram?
Por que cicuta me deram para sorver?
Por que meus amigos me deixaram?
Por que o meu amor não pude ter?
Por que me abandonaram no degredo?
Por que me entregaram a solidão?
Por que não guardaram meu segredo?
Por que não me deram explicação?
Por que como ovelha desgarrada,
Fiquei perdido em silente outeiro?
Sou como ave engaiolada,
Sou como a flor nascida em cativeiro.
Confesso-te Senhor que deveras errei,
Como a flecha que erra o alvo.
E agora Pai Eterno o que serei,
Se por tua graça não for salvo?
Deus meu, sei que Lhe importunei,
Com por quês e pueris questiúnculas,
Perdoai-me, porque só em Ti achei,
Respostas para todas as perguntas!