Repetição
Encontro-me no paraíso
Sem carne e sem corpo
Etéreo e disforme
O que se transforma em minha frente é irreconhecível
Entretanto, eu nunca me senti tão cheio do presente
Quanto na ausência total de noção do tempo
Talvez seja um ideal romântico
Ou uma excitante história abstrata
Pessoas, encontros e ocorrências
Vinculadas a grande e misteriosa incógnita
Que só pode ser descrita como sendo momento nenhum
O melhor momento da minha vida
O relógio desperta
Dissipasse a névoa de alegria
Ancorado numa realidade de carne
Ossos, dores e desespero
Se dizemos que na morte
Nossa vida passa diante dos nossos olhos
O que isto diz sobre toda manhã meus arrependimentos
Em segundos assisto de camarote?
O café da manhã já não me é tão prazeroso
Banho-me desejando a água quente me purificar
Levando embora as dores de minha carne em rigor mortis
Estou em guerra com o mundo
Com a língua travada e a mente confusa
Por favor, mantenha-se distante
Enquanto eu não trague rendições
E assopre desabafos e choros
É tudo simplesmente demasiado mundano
Tarefas do dia a dia
Sair para trabalhar
E o acusador me ridiculariza
Como um pai repreendendo em tom de desprezo
"Nunca fará sentido sonhar com um amor
Quando se é caricato e desprezível
Balbuciando igual um ser sem intelecto
Sussurrando o que deveria ser gritado aos quatro cantos?
Já se questionou porque a sensação de solidão?
Veja bem, ninguém está aqui quando precisa
Se precisa a todo momento, ainda que você seja capaz
De estar com quem precisa de você fazendo o que ninguém mais faria
Generosidade é apenas o seu mecanismo de se auto validar
Quando sabe que não existe valor
Em sua personalidade genérica e rasa
Sem muitos desejos e muitas ideias
Se eu jogar um copo de água no chão
Não seria tão raso quanto sua existência"
Tento suprimir as acusações
Evitando espelhos, evitando pensar
Suprimir meu débito com meu reflexo
Fone e música abafam meu julgamento
Eu me mantenho civilizado
Na esperança de novos sonhos
É difícil sorrir no dia a dia
Pois, embora nem todos os momentos sejam agridoce
Eu não sei preencher o buraco em mim
Existem pessoas incríveis
De alta estima
Admiração, devoção, paixão
Não pense, não sonhe
Quem é você hoje para amar?
Diz-me o acusador
Me lembrando que não preciso de espelho para projetar
Devaneios mantém minha sanidade durante o dia
Sonhando em como seria, talvez, viver o talvez...
Eu não digo que eu sinta felicidade
Quando eu sinto que eu só vejo em meio a uma briga
Anseios reprimidos e exageros praticados
Decompondo com o relógio que não volta para trás
Talvez eu nunca soube dizer a quem voluntariamente mostrei
Mas eu aprecio que seus olhos passem pelas linhas
Provavelmente é só um lamento tolo
Provavelmente suas dores sejam maiores que as minhas
Mas, alguém me explique, por favor, que piada de mal gosto é esta?
Existir para sonhar, viver para dormir, sonhar para conseguir viver
Dias se misturam numa pasta de inseguranças
E vontade de nunca acordar
Após dois anos se ajoelhando orando por falecer
Não acreditar em um deus não deveria te surpreender
Quando chorei e preservei o amor e o bem e lamentei
Quando não encontrei resposta ao que eu pensei
Ser o mínimo pelo que larguei encontrar um sinal.
Não existe momento, não existe verdade
Eu me desintegro na abstinência do ego
Entrego ao nada o tudo e ao tempo o atemporal
Não há lamento aqui, apenas um paraíso
Como um comedor de lótus em outro estado de consciência
Poderia desligar eternamente o despertador, por favor?
Nunca, nunca, apenas aceite a dor no peito
Seu flagelo não é apenas a marca de um pecador
Seu ser será por mortificado pelo despertar
Enquanto dentro de si seja uma zona de guerra
Mais um dia, mais um sofrimento,
Prepare espaço para mais memórias e lamentos
Isto não vai simplesmente acabar