Agonia
Agonia, tão vil, feroz,
Que ao meu lado tem estado
Como pode em tresloucado
Transfigurar o homem assim?
Que raios gozas de mim
Que nem pertenças tenho?
E, se algo tive, foi engenho
Que, ora mortos, me têm abdicado.
Contenta-te com o mal
Porque a fraqueza quem te assiste.
E se há voltado, é pois
Que tua lembrança é dissipada
No instante mesmo em que saíste.
Ora! Vim dizer-te! Contra ti atento!
Ao teu relento, não pedi sequer favores.
Andarilho, em meus mais dias,
Tiveram em mim alegrias
Intensas mais do que tuas dores.
Fraca, vil e mentirosa!
Tu jogaste em mim – ó venenosa! –
Martírio e peçonha, quando
de umbrais fizeste as fronhas
em que detido eu me aqueço.
Em que momento tão míope fui,
Que tu entraste em minha casa e
Amputado eu tivesse as minhas asas?
Quando, da noite a volúpia soa,
Tu maltrataste a minha pessoa
E roubaste a minha sanidade?
Pelo dito, ando assustado.
Sustentado por somente sorte.
Como que temente a fortuna, morte
Ela me trouxesse qualquer dia.
Toma minhas mãos, como estão frias.
Vide também o céu que desbotoa em chuva rala
Alguns nascem sem fé, supremo deus...
E sem meios de exercitá-la.
Pois até minha alma, meu caro,
Onde estará, se não com o diabo?