Paris despedaçada na fotografia do aplicativo moderno
À Fabienne, une passante
Fantasmas de nuvens
esgarçadas
se desenham atrás
da faixa escura
e estridente da morte na tarde francesa.
Um amor novo/velho está sentado
na mureta do Rio Sena cansado,
numa calçada de milênio
à espera?
E diz que realizou um sonho...
O que é um sonho, ma chérie?
Sigo aqui,
infiltrado,
em minha bolha insípida de sensibilidades.
Sobre os sonhos
e as falsas falas ocas
das fotografias posadas,
sobre sonhos que não se tem mais
depois das mãos desenlaçadas,
vãos de histórias inutilizadas, daguerriótipos de sépia.
Paris é a cidade dos meus espectros:
Modigliani e Ana Akhmátova em silêncio
no desespero dos abandonos sutis, “GuaraParis”...
Rimbaud e Verlaine que fugiram, amantes, entre esgares poéticos de revolução.
Conheci todos eles, assaltantes
que passaram diante de mim na praça do leão de Belfort e no Pigalle!
Au Lapin Agile, cabarés artísticos, camafeus.
Em Montmartre,
Picasso era o mais mal humorado e auspicioso no Bateau Lavoir
e nas esperanças da Arte do século de tintas.
Matisse, matizes!
Ondas de choque nos cafés de Montparnasse:
Le Dôme e La Rotonde infestados
de poetas e pintores e eunucos e santos e soldados mutilados
nos alvitres bombásticos da Primeira Grande Guerra:
Guillaume Apollinaire com o crânio, que têmpera!
E você, menina de Piracicaba,
só conheceu a torre Eiffel
e se encantou com um passado diletante no hotel de subúrbio
ou próxima a gare enfumaçada e férrea da volta ao mundo irreal?
Foi ao menos ao Louvre, ao D´Orsay à margem esquerda da foto,
e lembrou-se de mim, iconoclasta que sou de nosso desamor?
Ao menos a Gioconda vislumbrou na fila dos clichês mundanos?
Ao menos um Degas ou um Redon que nunca ouviu falar?
Piscadelas...
Lembrou-se de mim que sou tão idiota e cínico e infiel?
Uma sonata de Satie, que respiro tanto represado,
e me representa nas horas de desespero,
soou em sua cabeça de lauréis e doutos títulos de pantomima?
Não, você não conhece Satie!
Esse também viveu num quartinho infecto como em seu enredo de via anterior.
Desespero que não conhece mais em suas veias e vielas
das ruas e colinas de Sacre Coeur, coração arrogante.
Paris vibra, Paris ainda canta nas mesas prostituídas dos anos que lá vivi,
embriagado de absintos absurdos absconsos!
Surrealistas nos frontões, cubistas, futuristas, Jarrys e Artauds abruptos, cocottes.
Viva o Baudelaire passante!
Viva os loucos anos vinte! Viva Channel e Cocteau! Viva os loucos anos vinte!
Não estes anos vinte de amargura e exílio imposto de agora,
mal vestidos de quarentena: vômitos hiper-realistas neste teatro de infâmia.
Lembrou-se de mim com uma taça de vinho e escarro,
com a mão fina segurando meu cérebro de veleidades?
É certo que não.
Notre-Dame, catedral despedaçada,
está irremediavelmente queimada na parede de fundo
em nossa paisagem parisiense de mágoas.