Angústia

Você não sabe o que é angústia

nunca repartiu com as mãos a tragédia das tardes esganadas

uma sonata de Satie lenta sufocando a lembrança

você não sabe o que é angústia

nas horas mortas

nas zonas mortas

a respiração represada na inconstância

silêncio

sentencio o silêncio impossibilitado

desses limites

desses calmos e estragados limites

você não sabe o que é angustia

nunca repartiu com os vãos a comédia das noites embriagadas

não tem a pureza ensaiada do ritual dos afogados

não refez o contrato com o primeiro demônio ao cadafalso do arrebol arcaico

você não sabe o que é angústia do rosto que não será recolhido

no rol dos enfermos

máscara desoladora dos que escolhem se embotar

mutismo de cera

você não sabe o que é angústia

da noite sem frio

da noite sem fio

o rio que desliza desolador deserto

você não sabe o que é angústia da mesma cena do teatro encanecido

embaraço embaraço embaraço

ontem hoje amanheço

essa manha do tempo

desenrolar dos panos sobre as feridas abertas

esses charcos sem luz

essa imensidão de banalidades profundas que salpicam

a pele e pela esquentando ossos

liquefeitos olhos óleos sangue vertentes valentes quadros

angústia bendita da escolha original

da vida empacotada poeira de acúmulo

vitral das igrejas abandonadas no centro do verme que soma somos some

a sonata é profunda no repartir dos sons

assombros ainda são permitidos

as atitudes beatas de nojo e esperma das madrugadas inúteis

os dias inúteis e ondas de choque estampido e cérebros abjetos

você não sabe o que é angústia da felicidade ilusória

do gozo êxtase absurdo

surdos ganidos de sutileza e tosse

estáticas sobras restos de inspiração e medo

degredo de exílio imposto pelo mel das ações maculadas

da escolha do grilhão

você não sabe o que é angústia

você não sabe o que é angústia

definitivamente não sabe.

Gleidson Riff
Enviado por Gleidson Riff em 30/01/2020
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