nada fica

1.

Pablo Picasso

pintando Guernica

na fase

e nas cores sombrias

da guerra

civil;

a dor de pintar

a morte

no berço de origem

como forma

de protesto;

e mal sabia ele,

que no fim da Guerra

Civil

Espanhola,

viria

o início

da Segunda Guerra:

1936 [1937] 1939

1939 [1945] 1945

curtíssima fora

a pausa

para se fabricar

uma prece

em nome

da piedade:

deus distante,

bombas caindo,

morte súbita;

a aurora

é o grito desesperado

da boca

do mundo

2.

Europa do período azul,

América Latina

entalada

em minha

garganta,

rosa ensanguentada

que mescla Hiroshima

e Nagasaki,

brotando

na praça pública

onde viriam

a enforcar

a nossa alegria;

onde viriam,

numa ciranda

de baionetas,

a rir

na face da ternura

– que carregava

uma pouca

esperança

3.

Estes locais estrangeiros

à minha nascença,

porém íntimos

à minha ardência

à minha revolta

– fui concebido

num mundo

dividido,

olhando para um

horizonte inatingível,

eis o porquê

dos meus olhos

serem

castanhos

enquanto os teus

resplandecem

o próprio oceano

4.

A liberdade na infância

e a clausura

do cotidiano,

escurecera

o meu coração

feito o apodrecimento

de uma fruta

esquecida,

pelas vidas ali presente,

sobre a mesa de madeira

que é incapaz

de abrigar

o meu corpo

de girassol

inda que venha eu

a transfigurar

toda a tua

geometria

5.

Guernica resistindo

em mim:

choro civil;

o abraço

tem a leveza de uma pena

e o adeus,

o peso

de um paquiderme:

choro civil;

o nublado dos dias

devora

as bordas

das nossas

ardências:

choro civil;

o exílio

é ainda

a melhor opção – porque

o convívio,

em breve,

de nos matar

*

*

E o último homem,

manchado de sangue,

declinará

diante

dos corpos

dos teus

semelhantes

e entrará

num profundo

Silêncio

*

*

*

E em outro sistema

do universo,

anos mais tarde,

uma criança

chorará

sem entender

a nossa

civilização

esvaída