Lago de Indesejos
A cada luz que se apaga à noite,
uma gama de sonhos se apaga nos olhos,
e ela,
que anda pelas ruas porque a vida a deixa andar
e sente o vento nas pernas porque o mundo pode ventar,
de repente se sente só
quando de frente pra alguém que se apossa daquilo que nunca lhe pertenceu,
e, como um larápio se alimentando de breu,
arranca gemidos que não são seus,
e que, agora, gemidos de dor
e terror
desamor.
ele não liga e nem se importa
em estancar o riacho de sangue
que ele mesmo concebe
quando a não-lâmina corta
quando a não-seringa perfura injetando sombra e loucura.
quando a não-seringa perfura coletando sangue e angústia,
tem-se como resultado um direito que foi cuspido
tem-se um grito que não foi ouvido
tem-se tudo perdido e acabado num grande lago de indesejos.
mas não reside aí o desfecho,
pois no outro dia, após tanto asfalto,
após tanta lágrima jogada na rua
e após tantos gritos calados no mato,
tem-se a avaliação:
grupos de não-especialistas
chegam a uma conclusão:
todo esse sofrimento poderia ter sido evitado
porque deus criou o vento pra não chegar no seu coração
porque deus criou o mundo pra você não sair do sótão
porque deus criou as ruas pro tapete ser seu único chão
porque deus criou os corpos pra não ser seu o seu próprio órgão.
quanto sangue e quanta lágrima
devem banhar os sonhos rasgados
pra que chegue aos corações a certeza
de que só há culpa em quem é culpado
e só é culpado quem faz do outro
e só é culpado quem faz do corpo
território violado?