Era mais fria que as outras.
Vieram as lágrimas 
como se fossem orvalho.
E a primavera encruada
que jamais floresceu.

Havia cores imaginárias.
Havia o calor solar 
do colo materno.
Havia a tristeza intrínseca de
manhãs solitárias.

A porta que abre para o deserto.
A palavra que se dirige ao silêncio.
O olho que contempla a cegueira.

Há abismos encrustados 
na frieza dessa manhã.
Gemendo pelas janelas emperradas.
Vomitando pelos cantos 
a poesia irresistível de todos os dias
banais e frugais.
Digerida pelas entranhas
improváveis.
Moendo paradoxos em cacos
de metáforas e fragilidades.

O azul do céu rima com o azul do mar.
Mas em tons diferentes.

A sonoridade das ondas rima com a dos passos
no fundo do corredor.
Mas em tons diferentes.

Não existe tudo apenas em branco e preto.
Existe os cinzas, os azuis e a eclâmpsia.
Até a cianose da morte é poética.
E, nos anuncia cruelmente o fim do corpo.
O fim do kharma.
Da peleja desnecessária 
que se trava com o tempo.

Somos todos mortais
Finitos e contidos.
Há abóbodas invisíveis 
torneando nossos seres e gestos
E, o aceno final.
E a derradeira palavra.
E finalístico sentimento.

De que serve a alma, sem sentimentos?
Sem amores e ódios.
Sem perdões e insultos.
Sem lesões ou sulcos.
Sem afagos e indiferenças.

De que serve a alma, se não irá
descansar?
Calar-se em meio ao discurso.
Fechar-se em meio do oceano.
E amarrar-se ao cais
na incerteza exata de já ter partido.

Atearei fogo as vestes.
Ao poema inacabado.
A literatura fuinha 
de entrelinhas e reticências.

Atearei fogo a tudo.
E das cinzas 
renascerá apenas 
essa manhã.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 02/06/2015
Código do texto: T5263672
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