Faminta

Acordo faminta...
quero água... biscoito e
a maciez do queijo...

Acordo faminta
quero sonho ... nuvens e
tepidez do útero de onde sai.

A fome de afeto e de carne
tece nossos desejos e o êxtase
reticente dos dias ou noites.

Acordo faminta.
Abro a janela.
Encho os pulmões de ar...
gás carbônico e culpa.
Meu cachorro fugiu.
Meus passos se apagaram da areia.
Minhas palavras silenciaram.
E a poesia divorciou-se do lirismo.
Restou a prosa, a filha do casal
que por enquanto sofre
pela guarda compartilhada.

Quando fica com a mãe.. poesia
Tudo é lindo e cor de rosa...
Há fantasias prontas e instantâneas

Quando fica com o pai... o lirismo...
suspira pelas frestas do tempo,
flutua pelas paisagens, e
ascende vertiginosamente pelas
paredes da memória...
fotos, flashes e bilhetes.
Escritos em caligrafia sofrível.
mas com rimas imaginárias..

Acordo faminta
de letras
de significados
de semânticas
de lógica cartesiana e
metafísica...
De dizer que a fome é eterna
Mas a voracidade não.

Hoje faço dieta.
Os excessos estão abolidos.
Os gritos, os gestos bruscos e sobretudo
a poesia explícita
de falar sem querer...
de querer sem falar...
de tecer silêncios por entre palavras
e construir a frase
por meio de ausências


Acordo faminta.
E vou dormir saciada.
O dia se consumiu.
A noite conspirou com a dúvida.
E pintou interrogações nos
ladrilhos artesanais.

Acordo faminta.
E a fome que me movimenta.
É a fome que reina no mundo.
Arquiteta misérias e mortes em massa.

A fome é a peste da indiferença.
Ávida por tanta coisa.
e apática diante
do turbilhão contemporâneo.
GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 20/03/2015
Código do texto: T5176238
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