Foste o silêncio na boca do meu beijo

Hoje

Foste o silêncio na boca do meu beijo

quando o desejo

De te ver

De te ter

falou mais alto, no mutismo vagaroso

d’alfabetos. Em espectros velados a custo.

Embustes!

Vejo-me sombra acicatada na luz parda dos ciprestes.

Vejo-me víbora enrolada no ninho de tétrico remanso.

Ouço-me na voz da morte, em delírio de febres vomitadas,

juguladas na solicitude do teu ser, do teu amor.

Projecto-me vítrea, que a mágoa de te sentir ausente

exara no sismómetro, magistral trovoada.

A ferida não sara. Escorre-se ácida na finda pedra

no anseio do descanso dos ossos, após queda derradeira.

Deixa que me tombe

neste horizonte povoado de toupeiras.

Deixa que me desabe no pavor da mata gelada.

Deixa. Que finde a finda busca insana do raiar

d’aurora.

Hoje

Visto-me de ventos desumanos,

subo as golas geladas, agasalho a fala,

esta que é sangue vivo, taça cálida de sobremesa

- morangos, framboesas -, abrigada no casaco

de falsas verdades, de vis mentiras. Golpeio os olhos,

rasgo as entranhas em garras de pranto e iras.

Desenganos.

Visto por debaixo os restos dos sóis quotidianos,

de mil falácias e milhões d’equívocos.

Abro as cortinas do tempo, lacradas aos sete ventos

desfaço as malas, faço silêncio.

Hoje, neste átrio vácuo de memória, a alma,

sombra vaga, perfila-se na parada.

Faz silêncio, faz-se ao silêncio, informulada!

Silenciam-se sentimentos, nos disparos do fuzilamento.

Mel de Carvalho
Enviado por Mel de Carvalho em 14/05/2007
Código do texto: T486675
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