Foste o silêncio na boca do meu beijo
Hoje
Foste o silêncio na boca do meu beijo
quando o desejo
De te ver
De te ter
falou mais alto, no mutismo vagaroso
d’alfabetos. Em espectros velados a custo.
Embustes!
Vejo-me sombra acicatada na luz parda dos ciprestes.
Vejo-me víbora enrolada no ninho de tétrico remanso.
Ouço-me na voz da morte, em delírio de febres vomitadas,
juguladas na solicitude do teu ser, do teu amor.
Projecto-me vítrea, que a mágoa de te sentir ausente
exara no sismómetro, magistral trovoada.
A ferida não sara. Escorre-se ácida na finda pedra
no anseio do descanso dos ossos, após queda derradeira.
Deixa que me tombe
neste horizonte povoado de toupeiras.
Deixa que me desabe no pavor da mata gelada.
Deixa. Que finde a finda busca insana do raiar
d’aurora.
Hoje
Visto-me de ventos desumanos,
subo as golas geladas, agasalho a fala,
esta que é sangue vivo, taça cálida de sobremesa
- morangos, framboesas -, abrigada no casaco
de falsas verdades, de vis mentiras. Golpeio os olhos,
rasgo as entranhas em garras de pranto e iras.
Desenganos.
Visto por debaixo os restos dos sóis quotidianos,
de mil falácias e milhões d’equívocos.
Abro as cortinas do tempo, lacradas aos sete ventos
desfaço as malas, faço silêncio.
Hoje, neste átrio vácuo de memória, a alma,
sombra vaga, perfila-se na parada.
Faz silêncio, faz-se ao silêncio, informulada!
Silenciam-se sentimentos, nos disparos do fuzilamento.