AMOR DE CRIANÇA
São seis e meia da manhã sulista;
O inverno corta a pele feito faca.
O menino é acordado às pressas;
Precisa sair para vender verduras.
Na sua cabeça passa um trenzinho
E ele ainda brinca:
“Café nem pão, manteiga não!”
“Café nem pão, manteiga não!”
“Café nem pão, manteiga não!...”
Não poderia dizer isso, só pensar...
O menino sai, descalço e sem agasalhos;
O cabo da carriola está gelado;
Seus dedos doem como soldados.
E soldados estão mesmo no cabo.
Lojas tupinambá... Nome de índio.
E ele canta: “pirulito que bate, bate,
Pirulito que já bateu; quem gosta de mim
É ela; quem gosta dela sou eu”...
Mas nada de bater, seus dedos estão
Soldados no cabo da carriola; gelados
E doloridos; latejando nas pontas.
Ele tenta gritar para ser atendido,
Mas a voz também está soldada
Na garganta gélida e sôfrega.
Sai uma mulher e chora ao ver a cena.
Ele se comove e também chora.
Entra, meu filho! Entra logo!
Compra todas as verduras.
Agasalha-o todinho, dá café quente
Com pão e leite com chocolate
E manda-o de volta pra casa:
“Pirulito que bate bate, pirulito que já bateu,
Quem gosta de mim é ela quem...”
Uma voz: "O que que é isso!?"
Ah... Espera seu pai chegar, menino!
Ele pensa que a canção é proibida, mas não
É não; não pode é estar vestido assim...
Diferente da miséria dos outros irmãos;
Quem ele pensa que é? Petulante...
O pai chega; leva-o de volta,
Briga com a mulher e despe o menino
Em pleno e rigoroso inverno;
Na frente de todo o povo.
A mulher, aos prantos implora:
“Deixa ele ficar pelo menos com o calçado!”
Mas o velho pega seu orgulho e sai arrastando
O menino quase nu, que olha para cima
E pensa:” Eu queria uma explicação
Porque eu amo tanto esse homem...”
Carlinhos Matogrosso