Ela partiu

Chove. Que mágoa lá fora!

Que mágoa! Embruscam-se os ares

Sobre este rio que chora

Velhos e eternos pesares.

- Olavo Bilac -

1.

É madrugada alta. Tremo!

A alvorada se avizinha...

Junto a ela a gris visão que temo

Ver tua presença distanciar da minha.

Ah, como sou triste: gemo!

Sentindo essa dor... sozinha;

Improviso u'a oração... blasfemo

De joelhos postos frente à tua santinha.

À padroeira do mar: remo!

Inda lembro da igrejinha

E o teu cantar a ecoar... supremo

A emocionar a cálida salinha.

Mas neste instante extremo,

Passa um anjo co'asinha

Me olha. Choro e ponho a dor um termo

Antes que o sol expulse a estrelinha.

2.

Brilha estrela d'alva: branca!

Co'as luzes de brilho eterno;

Suave riso à minha face arranca

Pr'a lembrar o teu sorriso terno.

Por que te foste? Não franca

Agiste. Criaste o inferno...

Meu caminho a tua lembrança tranca,

E a saudade entrego-me. Prosterno

Seguir o que me alavanca.

Nas páginas d'um caderno

O teu adeus hostil que m'espanca...

Estrangula-me o seio paterno!

Se o amor tem nome, Bianca?

Se tem calores no inverno...

Há também amores... ai! estanca,

Este sangue oriundo do Averno.

3.

Sigo meus passos... sozinho,

E passo meu dia a chorar,

Pois quão triste tornou-se o caminho

Como o afeia este eterno penar...

O canto d'um passarinho

Teria o mais triste trenar

Se ouvisse o meu canto, o seu ninho

Oh! Não teria o encanto ao ninar.

O céu povoado de espinho

Não pode se descortinar

Vem dar-me tua rosa... ai! carinho...

De meu seio a tristeza afanar!

Inda'o rever teu rostinho;

Teu ledo passinho a saltar...

Da alcova... ai! do frio me avizinho!

Oh! Cerra as portas do nosso lugar.

4.

Leva-me junto, maldita!

Ai! Prega-me junto a tua Cruz!

Este negro fadário me incita...

Quero a morte sem pompa! ai, sem luz!

Vem morte! Quero-te aflita,

Pois a vida não me seduz!

Esta a vida é um mar que se agita

Afogando-me o sonho... Ai, Jesus!

Ninguém diz ou sequer cita...

Ninguém tira ou reproduz...

Toda dor que em meu peito habita

E toda mágoa que ela vil produz.

Anjo exilado... refletia...

No amor santo que se faz jus;

Teu olhar a maldade não dita,

Mas cerrados me lançam um capuz.