Caminhos sem luz
Alguém apaga as luzes todas as noites.
Não sei se é o mundo, se é Deus ou se sou eu.
Vejo a existência desaparecer num desligar lento,
diante da escuridão intensa que nega a nitidez do acertar.
Penumbra de viver,
esforço para brilhar.
Luz que se extrai da sombra de uma submissão tola
à boa técnica e à irreparável perfeição.
Vida de teorias sufocantes e prazeres fatigantes.
Sorrisos de planos perfeitos e ideais refeitos.
Utopia,
quimera e
ilusão.
A distância entre a razão ideal e o desejo real é muito menor do que a dor do alcançar, chegar e experimentar.
O nascer de si mesmo.
O primeiro suspiro,
a primeira lágrima,
a primeira traição,
a primeira decepção,
o último adeus.
Um frio que se sente na ponta dos dedos
ou uma sombra que não se pode identificar.
A desilusão do não ser é casa velha em dia de neblina.
É mofo no teto, parede rachada, parapeito enferrujado,
porta sem maçaneta.
Parece um passo que não se pode ouvir,
um sussurro que não se pode entender,
uma luz que não se pode ver.
A solidão é medo que assusta e aflige.
Espanto das letras que se formam e das páginas que se acrescentam.
Num dia brinco de esmeralda, noutro pó de estrada.
Uma vez o desejo da alma, outra o vacilo da falha.
Suspiro que motiva a caneta, que compõe as vírgulas, os “as” e os “bs”.
Dor que aflige o ser, que morde o medo e que chacoalha o ter.
Frio, sombra, mar,
vidros sujos,
roupas rasgadas,
malas sem alças.
Olhos que se afogam no fracasso.
Lágrimas que fogem do olhar.
Amores que só fazem suspirar.
Sentimentos que se misturam, debatendo-se nas paredes do querer e do esperar.
Medo de viver. De sorrir sem se censurar. De amar sem se negar.
Vontade que atinge o céu. Desejo que pinta estrelas no papel. Suspiros que desaparecem na perspectiva do olhar.
Mulheres que nunca tive.
Amores em que nunca estive.
Sonhos em que não dormi.
Castelos que nunca construí.
Verdades que quase vivi.
Mas quem quase viveu,
já mentiu.
Cabreira