Questão de sobrevivência
Ah! Meu pobre amigo. Por que sofres tu, por algo de tão pouca importância, coisas assim tão banais?
O que achas que te faz a vida, prá te deixar tão abatido, tão entristecido, completamente fora do ar?
Não te apoquentes camarada. Logo virá o sono, ante-sala da morte, imperceptivelmente teus olhos fechar.
Com um pouco de sorte terás sonhos felizes, as cores terão novos matizes, e o que te incomoda não verás mais.
Pena que a noite seja tão breve: ao acordares terás tudo de volta – o intervalo do sonho acabou.
Console-se, meu amigo. A ninguém a vida poupa: todos carregam sua cota de mágoas, sejam elas reais ou inventadas.
Vê-se logo que és um sonhador, um inadaptado. Torna-se urgente que despertes - que tome a parte que lhe foi dada.
Além do sonho, não há fuga possível da vida, meu amigo. Abra teus olhos e a enfrente – não se deixe paralisar pela dor.
Mande a puta que o pariu a tristeza, resgate a crença na verdade, refaça a parceria com a beleza – volte depressa a sorrir.
Se te sentes irritado, reaja. Ponha prá fora o que te incomoda, não deixes os sapos na garganta a te arranhar.
Não há meio termo, meu amigo. A vida não é para perdedores: é como um legítimo circo de horrores, com cenas de arrepiar.
Compreendo bem o teu desassossego, meu amigo; também da vida tenho medo – mas, até chegar nossa hora, temos de sobreviver aqui.
Há dias em que sentimos uma imensa vontade de afastar os problemas a pontapés, como se a carga representada por eles nos parecesse insuportável. Após uma boa noite de sono redimensionamos as lentes com que visualizamos a vida, recolocando os problemas em seu tamanho real, nunca maiores que nós mesmos. Bendito seja o sono, dádiva que nos permite fugir, mesmo que por pouco tempo, das coisas ruins da vida.
Cidade dos Sonhos, madrugada da terceira Quinta-Feira de Janeiro de 2010
João Bosco