Recordações Góticas

I

Alcova da minha dolência,

Deixo em teu interior minha essência

Eteral. Nasci moribundo

Nessa terra decrépita e insana!

Quantos foram os apelos de um profundo

Sofrimento que escapam da alma profana?

Dádiva de um deus ausente

E sádico, acolhida humilhantemente

De joelhos! Esplendor no barátro

Do fadário torvo do espírito deplorável,

Ou dissimulação do atro

Orgulho de superioridade onipotente inalcançável?

Vagas sombras de um hesitante subsídio

Ao meu desespero e ao meu futuro suicídio.

Inócuo brilho de crepúsculo morto

(Num entardecer nunca visto antes),

Ilumine – após o término da chuva – o porto

No qual as almas desembarcam agonizantes!

A Treva arrebatadora do porvir

Trouxe a mesma aflição que tenho a sentir!

O sangue da lua nova

(Em rígidos glóbulos aglutinados),

Penetra minha cova

Lúgubre e cai sobre meus ossos esbranquiçados.

II

Velas roubadas de um sepulcro desolado

Aquecem o cômodo do desesperado

Anjo humano. Ignóbil mistério

Dessa lânguida situação maçante,

Que preenche o âmago fútil do errante

Espírito anelante que se espreita pelo cemitério!

Revel mágoa vigorosamente forte,

Tanto na vida carnal quanto na pós-morte!

Ela traz consigo a Ânsia

Que permeia o absconso tormento do homem

Infortunado; dá vida aos vermes que comem

Os restos de uma existência sem importância.

Ao taciturno rei do paraíso, uma oblação

Ofereci como última tentativa de libertação

Da melancolia predestinada. O indício

De que ouviram minha súplica estridente

Foi uma efêmera luz reluzente

Que se obscureceu nessa minha vida de resquício.

Becos em que demônios vagueiam ébrios

São o habitat perfeito aos meus sentimentos deletérios.

Minha vida arcana está abismada na dolência.

E, estranho a tudo que existe,

Assim sou: misantropo, triste

Um fantasma que se recorda da distante existência!

2006

Marcell Diniz
Enviado por Marcell Diniz em 24/11/2009
Código do texto: T1941429
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