Agonia dum defunto vivo

I

Um auxílio ignorado na chama do desprezo.

E agora é realmente lamentável

Que na dolência estou represo

E sentirei o padecimento inesgotável!

Nobilitando as lágrimas da decadência

Com um silente ar de injúria

(Analogia entre a existência

De benévolas almas e uma em fúria).

Deslocado do atro sentimento íntimo

Para um mais ignoto e devastador.

Certamente que me tornarei ínfimo

Ao aparecimento do inesperado amor.

Malditas, extremamente malditas

Essas hórridas prisões do sofrimento!

E há convicção nas palavras que me foram ditas:

– Tu sempre serás o resultado da ação do acabrunhamento.

II

Na vasta solidão do meu ser,

Sou a sombra de algo invisível.

Fui aprisionado numa ânsia insensível

E libertado pelo miserável perecer.

Com tantos astros no Cosmos ancião

(Alguns independentes desse céu

Outros a estarem ao léu),

Nenhum sequer ousa trazer-me iluminação.

É recôndito o orgulho de ser solitário

– E a misantropia fortalece o fracasso.

Por que o horizonte não deixa esparso

O espírito livre dum lado e do outro o sectário?

Sozinho, eis como sempre ficarei!

Com as mãos escondendo as lágrimas

Que com um enorme vigor das lástimas

Tornaram-se fiéis ao Langor-Rei.

III

Ninguém?! É uma antiga certeza:

“A minha companheira será sempre a tristeza!”

E nos braços do anjo de marfim

Deixarei minha carne putrefata – até que enfim!

Que infelicidade! O erro e o azar

Ampararam-me – nada mais tenho a bradar,

Apenas que os vermes terminem a refeição

Do cadáver vizinho e cheguem logo ao meu caixão!

(28/01/06)