DESABAFO

Há em mim o desejo atávico de poder gritar,

Uma vontade enorme de poder vingar,

Um querer escandaloso de poder mudar.

Há em mim a sensação de vazio que maltrata e corrói a carne,

Que treme impotente

Diante de um país descontente,

Que silencia o medo e sufoca os prantos.

Crianças mortas por mãos indiferentes,

Crianças espancadas impunemente,

Crianças arremessadas brutalmente.

E, diante delas, ansiosa e sarcástica,

A mídia curiosa, buscando, na dor distante,

Alimentar o própria ambição, sempre indiferente.

Não, não tentem me calar agora,

Não quero que me mostrem a poesia de um mundo indecente.

Não me digam que o sol vai nascer mais uma vez,

Que estou viva e feliz,

Não me mostrem o azul do mar ou o pôr-do-sol,

Deixem-me chorar meu pranto de um mundo cruel.

Deixem-me chorar as Isabelas e os Joões,

Deixem-me pensar nas pequenas Marias,

Nos pequenos Paulos.

Deixem-me lamentar sua dor na hora da morte,

Sentir seu pânico no momento derradeiro

Chorar seus medos de crianças

No ato do carrasco infame.

Deixem-me tremer de raiva por pensar

Que o seu maior erro

Foi nascer no meu Brasil brasileiro,

Onde se morre de nada

E se matam crianças o ano inteiro.

Deixem-me, enfim, entregar-me à dor,

Acreditar que, de algum lugar,

Bem distante daqui,

Crianças nos espiam com desdém,

E suas almas brincam felizes,

Distantes de nós,

Mas seguras,

E, do povo que aqui ficou, se riem

E se vão, sem saudades

ZanaPires
Enviado por ZanaPires em 08/07/2008
Reeditado em 08/07/2008
Código do texto: T1070950