SAUDADE DE SI

Quando nascerem os vermes

que me verão na morte,

saberão quem eu fui na vida?

Terão ciência de minha história,

de minha posição social

ou notícia sobre meus atos?

Me diferenciarão dos outros,

daqueles que, como o eu,

tiveram de deixar seu corpo

aos cuidados da terra?

Quando vier um verme

para concluir meu sepultamento

saberá de meus amores

ao comer meu coração?

Ouvirá os insultos racistas

ao desfazer meus ouvidos?

Sentirá o cheiro de meus filhos

ao digerir meu nariz?

Sentirá em que toquei

ao devorar as minhas mãos?

Ou será indiferente,

ignorante e impassível

diante da pessoa que eu fui?

Desventuras, loucuras

equívocos, impasses

maldades, avarezas

desamores, insensatez!

Tudo isso faz parte de mim!

Tudo isso se desprenderá de mim

como o metano que voa

e como a amônia que foge...

Saudades de mim!

Conquistas, lucidez

acertos, convicções

bondades, bom senso

generosidade, paixões!

Tudo isso compõe o meu ser!

Tudo isso será em mim derretido

e, como rios de ausências,

fluirão para o oceano-terra

Diante dos ecos e sussurros,

dos gritos e apelos

que meu corpo emitirá

presenciando o seu fim,

quantos vermes ouvirão tais lamentos?

Quantos deles se recusarão

a fazer aquilo para que existem?

Quantos não darão prosseguimento

ao trabalho começado em mim

pelas criaturas-inquilinas de minha carne?

Ai! Saudade de mim!

Que direi, pois, deste vão sentimento

que, vez ou outra, domina minha atenção?

Que esta saudade é inútil?

Que esta saudade é apressada e malfazeja?

Que esta saudade é ilusória?

Não! Não! Não!

Digo, pois, que sentir saudade de si,

ainda que em sua própria presença,

é sinal de que se está vivo

e de que se sabe disso

com toda a força

com toda a razão

com tudo o que nos informam

as valas e as velas dos túmulos alheios!

Quando nascer o primeiro verme

que me verá em minha morte,

sentirá a saudade que eu sinto,

quando devorar os meus olhos

e ver tudo que eu vi?

Ai! Saudades de mim!

Fabio Ferreira S
Enviado por Fabio Ferreira S em 27/06/2020
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