A UM PEQUENO CÃO
Tenho-te morta nos meus braços.
Mortalha de negro plástico
oculta-te adormecida
nos olhos semi-abertos
o sempre adeus.
Meu coração pula.
Teu coração adormecido
se enrodilha no frágil peito
e se aninha em minhas mãos.
em mim guardas toda tua confiança.
Às minhas mãos entregas teu pequeno corpo.
Só não sabes que me desfarei de ti
e minhas mãos terão sabor de terra
e o conchego do chão
não terá o calor de minhas mãos.
Imagino-te olhando-me docemente.
Imagino-te a língua rosa rápida
sobre o focinho
na doce alegria de quando se é feliz.
Ah! pequeno cão!
Onde está a grandeza da alma humana
ante a pequenez de tua inocência?
Como será a estrada do outro mundo
para tuas patinhas que pulavam
e raspavam a mesma mão
que agora te carregam
num féretro único de silêncio
entre as lágrimas dos olhos
e a dor do coração?
Entre nós dois só o motor do carro.
Entre nós dois o diálogo cortado.
Tu adormecida.
Eu, no sobressalto da vigília.
E o motor do carro a ranger cansado
uma marcha de réquiem.
Teu corpinho morto conta-me histórias.
E as pequenas injustiças
os pequenos ralhos se erguem como lâminas
pontiagudas a cortarem-me as veias
a tirarem de mim o ânimo
a palavra
o sorriso.
A alma humana é grande
A alma do cão, pequena.
( Será que os cães têm alma?)
Talvez por isso tão cheias de mazelas as nossas.
Talvez por isso tão plena de amor a tua.
Na tua pequenez tornaste plena de alegria a minha
quando te aninhavas no meu peito
com medo dos trovões da chuva.
Agora
não tenho mais que me preocupar
com as bombas do futebol
com os relâmpagos das noites de verão
com o pavor de teus olhinhos.
No grande silêncio à minha volta
o silêncio do teu latido
o vazio de tua alegria
o grande arco da solidão
cobrindo tudo como densa noite.
Não sei se os cães têm alma.
Se não tiverem
Pedirei a Deus
que corte um retalho da minha
e costure uma ´para ti.
Uma alminha alegre e travessa
como eras quando comigo.
Então
quando a Grande Mão colher minha vida
repartirei meu paraíso contigo.
E talvez nesse momento
muito possivelmente
eu me deitarei entre tuas patinhas.
E tu lamberás meu rosto
guardando-me dos sustos
velando por mim
na longa estrada da Eternidade.
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