São Paulo sem garoa
Ando pelas ruas inchadas de gente e não as reconheço mais
Os lampiões sujos e sem gás, as janelas agora com grades maciças
As avenidas se entrecruzando como veias de enxaqueca e fumaça
Da paisagem que se vestiu de luto e de sombras
Sobraram somente os detalhes
A garoa fria, fininha que escorria pela janela
Agora é tempestade, forte, tremenda, que inunda marginais e seus passageiros
Do Pari das janelas apertadinhas aos Jardins das portas espaçosas
Do Jaçanã dos trens apinhados de gente ao Cambuci das ruas tranqüilas
A cidade pediu licença para o bom senso
E espremeu seus bairros uns contra os outros
Na São Paulo de hoje em dia os nomes se misturam com a insanidade
Os anos se sobrepõem, e a cidade se destrói e se reconstrói todos os dias
É a São Paulo que se vai sem café, sem garoa e se atropela em soluços
A cidade se abraça em vão, e nos carrega no tempo perdido
Misturada em si própria, colorida, revirada, enxertada de povos
Colcha de retalhos do mundo
Os olhos que enxergam os bairros não são mais os mesmos
Demoram-se nas lembranças do bonde, das crianças na rua, das coisas bonitas
Caminho pelas ruas de Vila Anastácio ainda meio atordoado
Ainda sem saber para onde ir, ou como vim parar aqui
Não reconheço mais as casinhas, nem o barulhinho do bonde, nem a beleza suave
Tudo parece revirado, como brinquedos quebrados, substituídos, deixados para trás
A beleza é imposta, as casinhas são agora prédios e o bonde virou congestionamento
E ainda assim nós a amamos, essa cidade mundo que nos acolhe e não nos percebe
Homenagem a São Paulo de outros tempos que nos deixa saudades e
a Dona Zica Bergami que faleceu aos 97 anos em 19 de Abril de 2011. Autora da música "Lampião de Gás" sempre foi símbolo da saudade dessa São Paulo antiga.