A arte da guerra

Proust discorre sobre a arte da guerra:

Um tabuleiro de peças marcadas,

Jogadas ensaiadas;

No meio dos contendores, o improvável;

Acima das tropas, o gênio do comandante.

Proust discorre sobre a arte da guerra

De exércitos que se enfrentam em campos de batalha

Previamente combinados,

Com tropas ensaiadas para manobras determinadas

- as guerras do século dezenove.

Proust não viu as guerras do século seguinte ao dezenove

- as guerras do século vinte!

Não têm a lógica do xadrez nem a grandeza

De jogadas e manobras inteligentes;

Não têm o gosto da ilusão de vitória em campos de batalha

Onde exércitos que se respeitam terçam armas cavalheiras;

Não têm o canto de cornetas nem o ruflar de tambores;

Não têm o medo no rosto de heróis que tombam

Agredidos à sombra de bandeiras tremulantes;

Não têm batalhas as guerras do século vinte.

Têm apenas o apertar de botões distantes

E o troar de canhões apagado pela luz sibilina de mísseis;

Seus heróis não morrem com honra,

Morrem em cozinhas, nas salas, nos quartos,

Morrem à luz de televisores e abraçados ao berço dos filhos destroçados;

Morrem sem nem mesmo saberem que estão num campo de batalha.

Proust discorre sobre a arte da guerra com olhos

Da inocência perdida nos olhos dos terroristas.

Não há mais arte nem comandantes nem campos de batalha,

Não há mais o risco provindo da fraqueza humana,

Nas guerras sem heróis depois que a inocência

Da arte de matar se perdeu num instante qualquer

Do início do século vinte.

27.5.2017