INOCÊNCIA

Eu não queria mais chorar. Nunca mais!

Estou muito velho para chorar. Esgotei, com o tempo, minhas lágrimas.

Mas quando vejo estou chorando.

Choro, mesmo sem lágrimas, porque chorar é preciso.

Sou um produto inacabado. Incapaz de ser saudável.

Incapaz de ser inofensivo.

Vã foi minha vida!

Tão cheia de segredos,

de cadeados,

de senhas,

de mistérios,

de combinações,

de chaves...

Minha vida foi tão cheia de encruzilhadas e tão escassa de retas.

Será que o tempo foi muito e o amor foi pouco,

ou será que o arrependimento por tão pouco amor

fez as pessoas me mimarem tanto?

Será que tenho direito de sonhar?

Toda vez que sonhei apanhei:

- Ou porque tinha sonhado exageros

ou porque não sonhei os sonhos que queriam.

Duro mesmo é se olhar no espelho e ver

que a curva da vida está em declínio,

não no que diz respeito ao tempo,

mas no que diz respeito aos sonhos que não tenho mais.

No entanto, resta-me um pequeno sonho

que escondo sob meu travesseiro para que não seja roubado:

- Eu gostaria que todos os portões fossem abertos

e que ninguém tocasse em nada que é meu;

mas que se houvessem toques,

fossem eles uma espécie de mágica fraterna,

que fizesse tudo virar flor.

Ou beija flor.

Ou borboleta.

Ou inocência...