CONFISSÃO

Por muitos anos não fui muito amigo do espelho,

ainda hoje não olho dentro dos seus olhos,

talvez por medo ou covardia eu não queria achar o que procurava.

Quantas vezes a companheira vaidade me fez merecedor de todos os

prazeres produzidos na boca voluptuosa do mundo;

quantas vezes o egoísmo me fez crer que eu não poderia me achar

sem me perder;

quantas vezes me apropriei da verdade trapaceando em nome da mentira;

quantas vezes o espelho me alertou sobre a ganância e eu virei as costas.

É verdade que quase fui triturado pela boca da miséria,

escapei incólume dos seus dentes a morder minha carne,

mas não sobrevivi sem ranhuras das marcas indeléveis da luxúria

que a miséria me deu de herança,

quebrou todos os espelhos por longos anos, diz que por engano.

Dos jardins floridos de amor,

fui o espinho que machucou a flor;

nas escaladas da grande torre da vitória,

quantos usei como trampolim ou lhes puxei o tapete,

o bilhete em que a vida escreveu minha história não pude ler,

a escuridão dos meus dias não produzia luz suficiente.

Hoje consigo me olhar no espelho,

os sulcos que trago no rosto escondem as ranhuras do passado,

mas na alma ainda resta a borra de muitos cafés amargos que destilei;

o sabor ácido de muitos venenos que, ardilosamente, inoculei em meu benefício; o aço das palavras que derrubou quem já estava no chão.

Ah! quantos artifícios pra me dar bem,

só eu sei, mais ninguém.

Ao tempo que me for dado, quero apagar as marcas do passado,

bordar uma aquarela de flores num enorme tapete,

a estender nos caminhos que plantei espinhos.

Orlando Alves Ribeiro
Enviado por Orlando Alves Ribeiro em 13/07/2020
Código do texto: T7004275
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